A LOTARIA DA INFORMAÇÃO (I)
A SORTE GRANDE
“Parece-te que este título se justifica?
O comandante português ‘escapou ao atentado’? ou passou a outras horas? ou o atentado era contra os espanhóis?
‘Poderia ter sido’ é notícia?
Dúvidas, causadas talvez pela provecta idade”, escreve a leitora e jornalista Diana Andringa.
Eis a notícia em causa: “Líbano: comandante português escapou ao atentado que causou seis mortos ao contingente espanhol (24.06.2007 - 22h02 - Margarida Santos Lopes). O comandante português no Sul do Líbano poderia ter sido uma das vítimas do ataque de hoje (...)”.
Pedi um esclarecimento à jornalista.
“As perguntas da leitora são legítimas, e eu vou tentar justificar as minhas opções.
Se o comandante ‘escapou ao atentado ou passou a outras horas’, a resposta pode ser uma, outra e ambas, porque não ficou ainda provado que o atentado visava especificamente a patrulha espanhola e não qualquer dos contingentes, incluindo o português, que integram a Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL). Se visava qualquer componente da UNIFIL, escolhida como ‘alvo’ segundo confessaram, alegadamente, suspeitos membros da milícia Fatah al-Islam capturados pelas autoridades libanesas, então o comandante português poderia ter sido uma das vítimas porque tinha passado pelo local horas antes.
Quando o próprio comandante me revela que havia passado horas antes pela mesma estrada onde foi morta a patrulha espanhola, eu não poderia ignorar esse facto, e achei relevante dar atenção ao caso português e não apenas ao drama espanhol. Frisando logo nos primeiros parágrafos do texto que o tenente-coronel Rodrigues dos Santos tranquilizou as famílias dos militares portugueses sob as suas ordens, dizendo que estavam todos bem, tentei mostrar, como o próprio oficial também admitiu, que a missão portuguesa não está isenta de riscos. Foi ele próprio que disse durante a conversa telefónica que tivemos: ‘Olhe, eu poderia ter sido um deles [mortos]’.
Os jornais espanhóis forneceram todos os detalhes, por muito insignificantes que fossem, sobre o ataque de que foram vítimas as suas tropas, esforçando-se por dar aos seus leitores todas as peças para entender o que se passa num país à mercê de grupos e governos que o querem desestabilizar, usando a UNIFIL como ‘escudo humano’ ou ‘refém’, segundo o que sublinham vários analistas com quem tenho falado para um artigo mais abrangente que estou a preparar. O meu objectivo foi o mesmo: dar toda a informação de que dispunha, aproveitando o facto de ter sido a única jornalista em Portugal a falar nesse dia com o tenente-coronel Rodrigues dos Santos.
Salientar que o comandante português ‘escapou’ (não é mentira) ao maior ataque à UNIFIL desde que terminou a guerra Israel-Hezbollah no Verão de 2006 não me pareceu exagerado, mas reconheço à leitora o direito de ter uma opinião contrária. Uma bomba foi recentemente desactivada numa praia de Tiro, no Sul do Líbano, que visava os capacetes azuis. Foi notícia em todo o mundo que a bomba ‘poderia ter rebentado’. Foi notícia que ‘poderia ter causado muitas vítimas’. Eu acho que foi notícia que o comandante ‘poderia ter morrido’.
Não foi especulação. Não foi essa a minha intenção. E se foi entendido como tal, peço desculpa por ter dado essa impressão”, respondeu Margarida Santos Lopes.
O provedor discorda.
1- Escreve a jornalista: “Se o comandante ‘escapou ao atentado ou passou a outras horas’, a resposta pode ser uma, outra e ambas”.
Pode ser tudo e mais alguma coisa, portanto. O jornalismo baseia-se em factos, não em suposições.
O militar português não pode ter escapado ao atentado porque não se encontrava no local naquele momento.
2- Escreve a jornalista: “... não ficou ainda provado que o atentado visava especificamente a patrulha espanhola e não qualquer dos contingentes, incluindo o português”.
Como não se provou nada, a jornalista conclui que o contingente português podia ser um alvo. É uma argumentação inaceitável. Facto: a patrulha espanhola foi atacada. O resto é especulação.
3- Escreve a jornalista: “Quando o próprio comandante me revela que havia passado horas antes pela mesma estrada onde foi morta a patrulha espanhola, eu não poderia ignorar esse facto, e achei relevante dar atenção ao caso português e não apenas ao drama espanhol”.
O militar português escapou, portanto, ao atentado porque passou pela mesma estrada umas horas antes. É uma conclusão que vende papel (?), mas é pouco racional.
4- Escreve a jornalista: “...tentei mostrar, como o próprio oficial também admitiu, que a missão portuguesa não está isenta de riscos”.
Margarida Santos Lopes optou por “mostrar” que a missão de um militar num cenário de guerra “não está isenta de riscos”. É, no mínimo, um dado inédito e deveras surpreendente...
5- Escreve a jornalista: “Os jornais espanhóis forneceram todos os detalhes, por muito insignificantes que fossem, sobre o ataque de que foram vítimas as suas tropas”.
As opções editoriais alheias não dizem respeito ao PÚBLICO. E não servem, por outro lado, de justificação para coisa alguma. O problema não é os jornais espanhóis terem fornecido “todos os detalhes”. É o PÚBLICO ter enveredado pelo sensacionalismo (baseado em meras suposições) quando nada aconteceu aos militares portugueses.
As tropas espanholas que Margarida Santos Lopes refere não são “as suas tropas” (por oposição “às nossas”). O recurso ao pronome possessivo é um erro. O jornalismo com bandeira é um perigo...
6- Escreve a jornalista: “Salientar que o comandante português ‘escapou’ (não é mentira) ao maior ataque à UNIFIL...”.
O comandante não pode ter escapado, repito. No momento do atentado estava a milhas de distância.
7- Escreve a jornalista: “O meu objectivo foi o mesmo: dar toda a informação de que dispunha, aproveitando o facto de ter sido a única jornalista em Portugal a falar nesse dia com o tenente-coronel Rodrigues dos Santos.”
O objectivo é legítimo, mas é necessário não confundir Informação com Sensacionalismo. O facto de Margarida Santos Lopes “ter sido a única jornalista em Portugal a falar nesse dia com o tenente-coronel Rodrigues dos Santos” só representa isso mesmo: falou com o militar. Isso só por si não é notícia...
8- Escreve a jornalista: “Foi notícia em todo o mundo que a bomba ‘poderia ter rebentado’. Foi notícia que ‘poderia ter causado muitas vítimas’. Eu acho que foi notícia que o comandante ‘poderia ter morrido’”.
O provedor desiste.
O sensacionalismo pode ajudar a vender papel durante algum tempo, mas a prazo todos acabamos por perder. A Informação não é uma mercadoria. É um serviço. E os jornalistas regem-se por princípios e um código deontológico. O seu primeiro dever é respeitar a verdade dos factos. E a sua lealdade é para com os leitores, não para com o mercado. É a minha profunda convicção, mas posso estar enganado.
O endereço electrónico do provedor é: provedor@publico.pt
“Parece-te que este título se justifica?
O comandante português ‘escapou ao atentado’? ou passou a outras horas? ou o atentado era contra os espanhóis?
‘Poderia ter sido’ é notícia?
Dúvidas, causadas talvez pela provecta idade”, escreve a leitora e jornalista Diana Andringa.
Eis a notícia em causa: “Líbano: comandante português escapou ao atentado que causou seis mortos ao contingente espanhol (24.06.2007 - 22h02 - Margarida Santos Lopes). O comandante português no Sul do Líbano poderia ter sido uma das vítimas do ataque de hoje (...)”.
Pedi um esclarecimento à jornalista.
“As perguntas da leitora são legítimas, e eu vou tentar justificar as minhas opções.
Se o comandante ‘escapou ao atentado ou passou a outras horas’, a resposta pode ser uma, outra e ambas, porque não ficou ainda provado que o atentado visava especificamente a patrulha espanhola e não qualquer dos contingentes, incluindo o português, que integram a Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL). Se visava qualquer componente da UNIFIL, escolhida como ‘alvo’ segundo confessaram, alegadamente, suspeitos membros da milícia Fatah al-Islam capturados pelas autoridades libanesas, então o comandante português poderia ter sido uma das vítimas porque tinha passado pelo local horas antes.
Quando o próprio comandante me revela que havia passado horas antes pela mesma estrada onde foi morta a patrulha espanhola, eu não poderia ignorar esse facto, e achei relevante dar atenção ao caso português e não apenas ao drama espanhol. Frisando logo nos primeiros parágrafos do texto que o tenente-coronel Rodrigues dos Santos tranquilizou as famílias dos militares portugueses sob as suas ordens, dizendo que estavam todos bem, tentei mostrar, como o próprio oficial também admitiu, que a missão portuguesa não está isenta de riscos. Foi ele próprio que disse durante a conversa telefónica que tivemos: ‘Olhe, eu poderia ter sido um deles [mortos]’.
Os jornais espanhóis forneceram todos os detalhes, por muito insignificantes que fossem, sobre o ataque de que foram vítimas as suas tropas, esforçando-se por dar aos seus leitores todas as peças para entender o que se passa num país à mercê de grupos e governos que o querem desestabilizar, usando a UNIFIL como ‘escudo humano’ ou ‘refém’, segundo o que sublinham vários analistas com quem tenho falado para um artigo mais abrangente que estou a preparar. O meu objectivo foi o mesmo: dar toda a informação de que dispunha, aproveitando o facto de ter sido a única jornalista em Portugal a falar nesse dia com o tenente-coronel Rodrigues dos Santos.
Salientar que o comandante português ‘escapou’ (não é mentira) ao maior ataque à UNIFIL desde que terminou a guerra Israel-Hezbollah no Verão de 2006 não me pareceu exagerado, mas reconheço à leitora o direito de ter uma opinião contrária. Uma bomba foi recentemente desactivada numa praia de Tiro, no Sul do Líbano, que visava os capacetes azuis. Foi notícia em todo o mundo que a bomba ‘poderia ter rebentado’. Foi notícia que ‘poderia ter causado muitas vítimas’. Eu acho que foi notícia que o comandante ‘poderia ter morrido’.
Não foi especulação. Não foi essa a minha intenção. E se foi entendido como tal, peço desculpa por ter dado essa impressão”, respondeu Margarida Santos Lopes.
O provedor discorda.
1- Escreve a jornalista: “Se o comandante ‘escapou ao atentado ou passou a outras horas’, a resposta pode ser uma, outra e ambas”.
Pode ser tudo e mais alguma coisa, portanto. O jornalismo baseia-se em factos, não em suposições.
O militar português não pode ter escapado ao atentado porque não se encontrava no local naquele momento.
2- Escreve a jornalista: “... não ficou ainda provado que o atentado visava especificamente a patrulha espanhola e não qualquer dos contingentes, incluindo o português”.
Como não se provou nada, a jornalista conclui que o contingente português podia ser um alvo. É uma argumentação inaceitável. Facto: a patrulha espanhola foi atacada. O resto é especulação.
3- Escreve a jornalista: “Quando o próprio comandante me revela que havia passado horas antes pela mesma estrada onde foi morta a patrulha espanhola, eu não poderia ignorar esse facto, e achei relevante dar atenção ao caso português e não apenas ao drama espanhol”.
O militar português escapou, portanto, ao atentado porque passou pela mesma estrada umas horas antes. É uma conclusão que vende papel (?), mas é pouco racional.
4- Escreve a jornalista: “...tentei mostrar, como o próprio oficial também admitiu, que a missão portuguesa não está isenta de riscos”.
Margarida Santos Lopes optou por “mostrar” que a missão de um militar num cenário de guerra “não está isenta de riscos”. É, no mínimo, um dado inédito e deveras surpreendente...
5- Escreve a jornalista: “Os jornais espanhóis forneceram todos os detalhes, por muito insignificantes que fossem, sobre o ataque de que foram vítimas as suas tropas”.
As opções editoriais alheias não dizem respeito ao PÚBLICO. E não servem, por outro lado, de justificação para coisa alguma. O problema não é os jornais espanhóis terem fornecido “todos os detalhes”. É o PÚBLICO ter enveredado pelo sensacionalismo (baseado em meras suposições) quando nada aconteceu aos militares portugueses.
As tropas espanholas que Margarida Santos Lopes refere não são “as suas tropas” (por oposição “às nossas”). O recurso ao pronome possessivo é um erro. O jornalismo com bandeira é um perigo...
6- Escreve a jornalista: “Salientar que o comandante português ‘escapou’ (não é mentira) ao maior ataque à UNIFIL...”.
O comandante não pode ter escapado, repito. No momento do atentado estava a milhas de distância.
7- Escreve a jornalista: “O meu objectivo foi o mesmo: dar toda a informação de que dispunha, aproveitando o facto de ter sido a única jornalista em Portugal a falar nesse dia com o tenente-coronel Rodrigues dos Santos.”
O objectivo é legítimo, mas é necessário não confundir Informação com Sensacionalismo. O facto de Margarida Santos Lopes “ter sido a única jornalista em Portugal a falar nesse dia com o tenente-coronel Rodrigues dos Santos” só representa isso mesmo: falou com o militar. Isso só por si não é notícia...
8- Escreve a jornalista: “Foi notícia em todo o mundo que a bomba ‘poderia ter rebentado’. Foi notícia que ‘poderia ter causado muitas vítimas’. Eu acho que foi notícia que o comandante ‘poderia ter morrido’”.
O provedor desiste.
O sensacionalismo pode ajudar a vender papel durante algum tempo, mas a prazo todos acabamos por perder. A Informação não é uma mercadoria. É um serviço. E os jornalistas regem-se por princípios e um código deontológico. O seu primeiro dever é respeitar a verdade dos factos. E a sua lealdade é para com os leitores, não para com o mercado. É a minha profunda convicção, mas posso estar enganado.
O endereço electrónico do provedor é: provedor@publico.pt
Lembro-me desta notícia. E lembro-me de ter pensado o mesmo. Fui ler pelo título e senti-me totalmente defraudada...
Compreendo-o
Posted by Anónimo | 12:10 da tarde