quarta-feira, setembro 06, 2006 

"FALEMOS SERIAMENTE" - COMENTÁRIO DO LEITOR ROBERTO GORJÃO

"Oito em cada dez jornalistas têm dificuldade em redigir uma notícia ou em seguir o raciocínio dos seus entrevistados. Se a matéria da notícia se basear em textos previamente redigidos por outras entidades, os estudos neuropsicológicos e cognitivos realizados pela Castelos no Ar nas últimas setenta e duas horas demonstraram que a maioria dos jornalistas analisados, apesar de aparentemente normais, apresentaram dificuldades de interpretação acima do esperado. Alguns dos nossos investigadores apontam porém, como prováveis causas para tais inusitadas dificuldades, o péssimo clima organizacional e o stress imposto pela maioria dos jornais e revistas aos seus profissionais, factores que explicam que os ‘jornalistas se vejam obrigados a escrever sobre o que afinal não tiveram tempo para assimilar e compreender correctamente’. Por enquanto, todavia, esta deve ser considerada apenas como uma hipótese especulativa e carecendo de mais estudos comprovativos. Entretanto, a nossa posição oficial é a de que ‘existe uma deficiência nos métodos jornalísticos, métodos que não são compatíveis com a capacidade de processamento de informação do cérebro da grande maioria dos jornalistas’."

Qualquer semelhança entre a caricatura anterior e o artigo "Oito em cada dez alunos com insucesso escolar têm dificuldade em seguir raciocínio de professores", publicado pelo Público com base numa notícia da LUSA, no passado dia seis de Agosto, é absolutamente intencional. Tal como é intencional e assumida a sugestão de incapacidade (quaisquer que sejam as razões que a justificam), de pelo menos o jornalista (ir)responsável, apenas para não dizer da maioria ou da quase totalidade dos jornalistas e respectivas entidades empregadoras que têm tratado o tema da educação nos últimos tempos! Mas, para que a crítica não se fique apenas pelo burlesco da introdução, passo a justificar-me utilizando como ilustração a pérola jornalística citada.

A autoridade da fonte

A entidade repetidamente apresentada como, simultaneamente, fonte e autoridade avalizadora das informações veiculadas no artigo dá pelo nome de “Instituto de Inteligência”. A expressão “Estudos elaborados pelo Instituto da Inteligência” aparece como uma espécie de subtítulo encabeçando o artigo do Público e as referências àquela entidade repetem-se por quatro vezes no respectivo corpo do texto. No entanto, em momento algum é descrita a natureza da instituição: é uma entidade pública? Privada? Se é pública, está relacionada com algum ministério ou universidade? Se é privada, tem fins lucrativos? É uma pessoa colectiva? Nada! A credibilidade do Instituto é aparentemente garantida apenas pela sua sonante designação, sem dúvida fazendo lembrar uma séria e sólida organização pública, provavelmente na directa dependência do Ministério da Educação ou, eventualmente, do da Saúde. O leitor é claramente induzido em erro e o próprio jornalista parece sentir-se à vontade para questionar a competência de 120.000 professores portugueses, solidamente encostado que está ao lustre de tão insigne nomeada.

Acontece todavia que o Instituto da Inteligência é afinal uma organização privada, com fins lucrativos e sede no Porto, cuja personalidade jurídica (colectiva ou individual) não é esclarecida nem pelo próprio sítio web, e, para o descobrir, bastaria uma simples pesquisa no google. É supostamente herdeiro de um outro Instituto, Maxman, fundado na República Eslovaca, sobre o qual é virtualmente impossível obter qualquer informação na net (num blogue do Instituto aparece todavia uma referência a uma empresa de consultores Maxman, sua cliente, também eslovaca). De acordo com o sítio web do Instituto “a sua organização assume a forma de rede, com colaboradores e empresas associadas espalhadas por vários países”. Esta multifacetada organização é todavia, aparentemente, incapaz de investir num sítio web condigno, preferindo optar por alojar a sua informação promocional em servidores gratuitos e uma multiplicidade de blogues ( Treze, só no “blogger”). Um pormenor curiosíssimo do sítio web do Instituto é conter um contador que me indicou ser o visitante número 123.456.789… No mínimo, uma notável coincidência! Infelizmente, outras visitas posteriores deram-me a conhecer que o contador afinal não se actualizava ou… talvez tivesse atingido o seu limite. De acordo com a informação patente no respectivo sítio, o Instituto integra vários departamentos, todos muito originais: o que mais me cativou foi a ” Academia do Futuro” a qual, “através de pesquisa, análises, seminários, apresentações, relatórios e newsletters, fornece conselhos sobre o futuro” a “companhias, associações e governos” (Engenheiro Sócrates, por que espera?!!). Senti-me também muito atraído pelo ” Centro Português de Neurofitness” o qual, entre outras coisas, ensina a prática da “neuróbica” para exercitar o cérebro e aumentar a sua eficiência (President Bush, what are you waiting for?!!… Hum… É capaz de haver limites, mesmo para a neuróbica!). Se o Neurofitness se converter para si em, mais do que uma paixão, uma missão, saiba que, por 1.500€ poderá frequentar 200 horas de formação presencial e à distância que lhe conferirão a Certificação de Monitor de Neurofitness. Por apenas mais 500€ e 100 horas de formação poderá obter a Certificação de Especialização em Neurofitness e tornar-se num verdadeiro especialista nesta área tão recente que nem a Wikipédia faz ideia do que seja. E, se toda a actividade do Instituto da Inteligência lhe despertar verdadeiro entusiasmo ou insana inveja, saiba que a emulação está ao seu alcance. Por tarifas que oscilam entre 10 mil e 50 mil euros, poderá aceder a um contrato de franchising, receber alguma formação e abrir o seu próprio Instituto da Inteligência. E nem sequer é obrigatório ter formação em Psicologia para o efeito: “o contrato de franchising pode ser estabelecido com qualquer pessoa com talento para gestão e com espírito empreendedor (a avaliar durante o processo de candidatura), não sendo obrigatório ter formação na área da Psicologia. Todavia, neste como nos restantes casos, todos os centros devem ter um director técnico com licenciatura em Psicologia ou similar” (negrito nosso).

Se o Instituto da Inteligência não desilude, com todos os seus múltiplos departamentos e serviços à escolha, o mesmo se poderá dizer do seu prolífico fundador/coordenador/director, o homem que assina todos os blogues, todos os sítios web, todas as investigações e que é afinal o único investigador alguma vez citado do Instituto, o neuropsicólogo Nelson Lima. O Doutor Nelson Lima é diplomado em Hipnologia Médica e em Psicologia Humanista e Transpessoal (sem referência a universidade), possui Estudos Superiores de Neuropsicologia que, de acordo como o currículo presente no seu blogue sobre neuropsicologia, lhe foram conferidos pela IEBI, em Espanha (não consegui descobrir esta instituição), e é doutorado em Investigação Psicológica pela Bircham University, uma instituição de ensino à distância. Nelson Lima é o investigador que assina os estudos referidos pelo Público e que fundamentam as críticas descritas no respectivo artigo… No entanto, não se conhece uma única publicação daquele investigador, seja de estudo, investigação ou outra obra, em qualquer publicação científica ou, sequer, de autor; nem qualquer dos múltiplos sítios e blogues da instituição por ele dirigida faz qualquer menção à sua eventual existência, o que parece ser a melhor prova da sua real inexistência, pois, caso contrário, seria tão somente natural que as adicionasse aos restantes elementos propagandísticos e incríveis provas de sucesso que populam aquelas páginas. Nelson Lima não é também curto em filiações, anunciando ser membro de nada menos do que sete instituições de prestígio internacional, entre as quais a American Psychological Association e a International Neuro-Psychoanalysis Society. Da primeira recebi por email a confirmação de que Nelson Lima não é efectivamente membro mas apenas International Affiliate, estatuto à disposição de qualquer um de nós pela módica quantia de U.S. $27. A segunda, refere explicitamente no seu sítio que "the Society is not a credentialing nor qualifying organisation, and members are discouraged from using membership status for promotional purposes". E mais não me dei à maçada de averiguar porque não sou jornalista, apenas bloguista consciencioso.

Esta é a instituição e este é o investigador que a LUSA e o Público, sem qualquer hesitação ou interrogação, citam contra a qualidade do trabalho desenvolvido pelos professores portugueses, juntando-se assim de forma acrítica, irreflectida e irresponsável à campanha promovida pelo poder político! Esta é a qualidade do nosso jornalismo que não verifica as suas fontes nem a respectiva credibilidade!

Uma simples pesquisa ao arquivo da LUSA revela pelo menos quatro artigos que parecem (infelizmente não pude aceder ao conteúdo dos artigos, apenas aos seus títulos) referir-se directamente a estudos do Instituto da Inteligência, em vários momentos distintos. O Público já em 2004 havia publicado pelo menos um artigo sobre esses mesmos estudos (curiosamente noutro momento em que o ensino estava nas bocas do mundo, no rescaldo dos atribulados concursos de 2004) – nesse artigo, também curiosamente, não estando os professores na berlinda mas sim o Ministério, a responsabilidade era apontada ao “sistema escolar”, aos “programas extensos”, às “muitas aulas, muito extensas” e até à “falta de motivação dos alunos”. O Expresso, na sua edição de 28 de Julho, com o artigo da jornalista Paula Cosme Pinto, "A Culpa não é dos alunos", e também o jornal “A Página da Educação”, em artigo de Andreia Lobo, deram a sua quota parte de tempo de antena ao bom doutor e, de acordo com um dos blogues do Instituto, a lista está longe de se ficar por aqui:

“Têm sido numerosas as reportagens e entrevistas feitas por órgãos como a RTP, SIC, TVI, Rádio Renascença, TSF, RDP, jornal PÚBLICO, JORNAL DE NOTÍCIAS, DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 24 HORAS, TAL & QUAL, EXPRESSO, CORREIO DA MANHÃ, revista SÁBADO, MULHER MODERNA, MARIA, ACTIVA, FITNESS, CRESCER, PAIS & FILHOS, HAPPY WOMAN, VISÃO, EXAME, SEMANÁRIO ECONÓMICO assim como rádios e jornais regionais e estrangeiros (revista AMANHÃ e jornal DIÁRIO DA MANHÃ, do Brasil, IL MESSAGERIO DI ROMA, Itália, etc).”

Fonte: Nelson Lima no blogue Projecto Alfa.

E a pergunta que se impõe é: como é possível que ao longo de anos uma instituição privada, sem provas científicas dadas, sem natureza jurídica evidente, e o seu respectivo dirigente, alguém cuja formação científica é, no mínimo, sui generis, que aparentemente nunca publicou um único trabalho sobre o objecto dos seus estudos, tenham merecido tal divulgação, tal suporte por parte da comunicação social, provavelmente em detrimento de iniciativas muito mais sérias e válidas e, sem dúvida, para prejuízo dos professores portugueses? Como é possível que a nenhum dos jornalistas tenha passado pela cabeça interrogar-se sobre a credibilidade da sua fonte? Como é possível tamanha falta de lucidez e de inteligência?

A seriedade da citação

Se as opiniões e métodos do Doutor Nelson Lima e do Instituto da Inteligência são, no mínimo, questionáveis, é preciso dizer-se, em abono da verdade, que, no que diz respeito aos problemas do ensino em Portugal, o seu posicionamento não polemiza apenas a competência profissional dos professores. Poderá ser, pois, que deva ser atribuída aos diferentes jornalistas que têm retratado as suas opiniões a responsabilidade pela sua selecção parcial e conducente à melhor optimização do consequente efeito sensacionalista, o que, a comprovar-se, demonstraria uma notável falta de ética e brio profissionais!

No seu próprio blogue, Nelson Lima apresenta o texto que parece ter servido de base ao artigo do Público, texto que terá sido publicado antes daquela notícia, a 26 de Julho e que integra todas as expressões citadas. Intitulado "Por que há tanto insucesso escolar?" e apresentado como uma “síntese dos vários estudos realizados entre 2004 e 2006 pelo Instituto da Inteligência”, nele Nelson Lima refere múltiplas causas para o aparentemente insolúvel insucesso escolar, nomeadamente, para além dos citados pelo Público: escolas sobrelotadas; falta de meios; falta de condições de trabalho; problemas de stress e de burn-out (forma grave de esgotamento) nos professores (atingindo, no total, mais de 30% dos professores no activo); problemas no que respeita aos modelos de avaliação; incapacidade política, por parte dos diferentes governos e outras instâncias superiores ao longo dos anos, para encetarem medidas inovadoras capazes de uma reforma educativa consistente… Nelson Lima também se refere ainda, por exemplo, ao facto de, "de 300 pais e 200 professores, 76% considera[rem] os programas “obsoletos” e desajustados da realidade do nosso tempo", o que foi escamoteado pelo Público.

Aquilo que Nelson Lima não refere na síntese do seu estudo, o que é verdadeiramente imperdoável do ponto de vista científico, é a caracterização do universo estudantil que lhe serviu de amostra. Os alunos a que N.L. terá tido acesso, como ele próprio o refere, terão, em princípio, sido aqueles cujos pais se mostraram suficientemente preocupados para procurarem soluções para os problemas escolares dos seus filhos e que o procuraram voluntariamente. Estes alunos beneficiam pois de uma atenção e acompanhamento parental à partida invulgares e os seus encarregados de educação possuem meios económicos que lhes permitem encarar os tarifários do Instituto como viáveis. Estes não são alunos que possam servir para tipificar os problemas do nosso sistema de ensino ou da maioria dos estudantes com real insucesso. Não admira pois que “postos perante provas de inteligência, 77% daqueles alunos apresentaram níveis normais de capacidade de aprendizagem”. É uma amostra atípica, que não traduz a realidade, e os estudos dela derivados poderão servir de suporte a um debate especulativo mas nunca a “conclusões” validadas.

Nota do autor: desde a data da publicação inicial deste texto no meu próprio blogue (08 de Agosto), o “Instituto da Inteligência” parece ter reduzido o número total dos seus blogues no “Blogger” dos treze referidos para os actuais quatro patentes no respectivo perfil (http://www.blogger.com/profile/1749115). Consequentemente, algumas das hiperligações deste artigo já não conduzirão aos textos citados.

domingo, setembro 03, 2006 

NÃO HÁ ALMOÇOS GRÁTIS, MAS… - (CONCLUSÃO)

Foi a crónica de opinião que mais reacções suscitou nos meus oito meses como Provedor.

"Na edição do PÚBLICO de 14 de Agosto, no fim do seu texto, Isabel do Carmo escreve: ’E de tanto se querer confundir anti-sionista com anti-semita, pretende-se prender as consciências do horror do holocausto e tolhê-las no combate aos senhores da guerra de Israel?’
Em nenhuma parte do texto a autora diminui a importância do Holocausto e muito menos o nega. No entanto, o jornal sentiu-se na obrigação de escrever a seguinte nota: ‘O PÚBLICO não alterou a grafia deste texto, designadamente o facto da autora escrever Holocausto com caixa baixa.’
Primeiro as dúvidas: o jornal perguntou à autora do texto se queria mudar a grafia? Se sim, ela recusou? Se recusou, porque não fomos informados da recusa? Se não perguntou, porque optou por uma Nota de Redacção em vez de o fazer? Por fim: quantas vezes na sua história o PÚBLICO (ou outro jornal português) acrescentou notas de redacção a textos de opinião? Devo esclarecer que discordo de grande parte das posições que Isabel do Carmo produziu durante a guerra do Líbano. Acho que se envolveu num debate estéril e armadilhado. Mas esta Nota representa uma absoluta falta de respeito pela autora e, mais importante, pelos leitores. (…) Mais: a Nota parece ser mal intencionada. A irrelevância do problema não parece justificar o acto excepcional de acrescentar a Nota. Isabel do Carmo, ao falar do ‘horror do holocausto’, deixa clara a sua posição e dificilmente se poderia inferir da utilização da minúscula qualquer posição negacionista. (…)
Se a questão é apenas a grafia do
jornal, um reparo pessoal à articulista parecia mais sensato e educado.
Se a questão, como me parece, não é a grafia do jornal, estamos perante um caso muito mais grave. Substituímos a censura pelo comentário, em simultâneo, a textos de opinião dos quais se diverge, usando como subterfúgio pormenores técnicos. (…)”, escreve Daniel Oliveira, um leitor de Lisboa.

Não tendo eu a menor das simpatias pelo Hezbollah, ou movimentos semelhantes, sinto-me perfeitamente confortável para afirmar que é no mínimo questionável (…) a forma como a ‘Carta a Esther Mucznick’ de Isabel do Carmo é publicada no PÚBLICO. Há pequenos pormenores que dizem tanto.
Não faz sentido nenhum, a menos que exista um óbvio propósito manipulador, que se ponha em destaque, logo depois do título, uma frase, supostamente uma citação do texto, amputando-a de uma parte, não é verdade? Ora foi exactamente isso que aconteceu, no texto Isabel do Carmo escreve ‘O Hezbollah, goste-se ou não, é um partido organizado, tem deputados eleitos e foi a forma daquela população se organizar. Tem escolas, hospitais, assistência social. Não é uma organização terrorista e como tal não é considerada pela União Europeia’. O ‘subtítulo’ (Destaque) da Carta é exactamente o mesmo, só que desaparece, como
que por magia e sem que seja assinalado por um grafismo universalmente aceite – a saber (...) – o ‘goste-se ou não’. (…)
Mas não é tudo, há outra que também não é fácil de engolir. Aparece uma Nota da Redacção, no fim do texto (…). Ou sou eu que ando muito flor de estufa ou esta ‘pequena’ nota de inocente tem muito pouco e, digo eu, é extraordinariamente ofensiva para a autora.
Estratégias rafeiras deste estilo não ficam nada bem a um jornal que se quer de ‘referência”, esclarece Maria João Pires, uma leitora de Lisboa.

Solicitei esclarecimentos ao director sobre os cortes no Destaque e a Nota da Redacção.

O DESTAQUE
“Como por certo notará, os destaques da maioria, se não da totalidade, dos textos de opinião são excertos do texto ligeiramente reduzidos, já que o corpo de letra utilizado é maior. O mesmo sucedeu, por certo, com a frase destacada do texto de Isabel do Carmo: não cabendo toda, manteve-se o que fazia sentido e retirou-se a redundância. Não se alterou o sentido. Já agora acrescento que, para não cortar mais a entrada do texto de Isabel do Carmo, o seu corpo foi reduzido de 12 pontos para 11,5 pontos, o que até é contra as regras gráficas”, explicou José Manuel Fernandes.

O provedor considera a explicação aceitável.

A NOTA DA REDACÇÃO
“A Direcção Editorial do PÚBLICO foi uma vez advertida pelo Conselho Consultivo (CC) a propósito de um texto que contestava a verdade do Holocausto, tendo sido criticada, entre outras coisas, por admitir que nesse texto a palavra surgisse sem ser em maiúsculas. Uma vez que tal sucedia no texto de Isabel do Carmo e precisamente porque não queríamos alterar o seu conteúdo, entendemos avisar os leitores sobre quem era responsável pela grafia da palavra naquela forma.
É que escrever Holocausto com minúscula é extremamente ofensivo para muitos leitores, como constatámos quando editámos o texto referido atrás
”, respondeu o director (em nome da Direcção Editorial).

A explicação de José Manuel Fernandes não parece aceitável.

O director justifica a Nota da Redacção com uma advertência do CC (no seguimento da publicação de dois textos de Pedro Almeida, “professor e investigador licenciado em Filosofia”).
De acordo com a Direcção Editorial do PÚBLICO, “ao escrever a palavra Holocausto com caixa baixa e entre aspas, o autor colocava em causa a existência desse crime maior do século XX, algo que mesmo com a maior abertura de espírito não devíamos ter tolerado”.

O provedor considera que Isabel do Carmo devia ter sido contactada.

O PÚBLICO optou por associar implicitamente a cronista ao negacionismo.

Pedi mais um esclarecimento ao director.

“Uma vez que era fim-de-semana, altura em que é sempre difícil contactar o autor de um texto, e uma das últimas oportunidades para publicar o texto de Isabel do Carmo antes da próxima crónica de Esther Mucznik, foi decidido publicá-lo naqueles termos apesar dos problemas que sabíamos que colocaria face à recomendação do Conselho Consultivo e da tomada de posição da Direcção Editorial sobre a forma de grafar a palavra Holocausto. Optou-se por publicar o texto com aquela nota em nome do pluralismo de opiniões que habitualmente se exprimem no jornal”, indicou o director.

O provedor discorda.


1 – O PÚBLICO não tentou sequer contactar Isabel do Carmo.
2 – O PÚBLICO partiu erradamente do princípio que escrever holocausto com maiúscula ou minúscula implica uma valoração do Holocausto. Os substantivos próprios são escritos com maiúscula e os comuns com minúscula, independentemente das opções ideológicas.
3 – O PÚBLICO excluiu tratar-se de uma simples gralha apesar de o texto da cronista conter vários erros tipográficos: “Gobbels” (em vez de Goebbels), “grupos vários que se NR converter” (?), “Ester” (em vez de Esther), etc.
4 – O PÚBLICO devia evitar inserir Notas da Redacção (ou da Direcção?) nos artigos de opinião.

Inquiri, portanto, Isabel do Carmo.

“1 – O facto de a palavra Holocausto ter vindo escrita em caixa baixa, vulgo letra de abertura minúscula, foi evidentemente uma gralha de computador, como mais uma ou outra no texto, a que não foi dado significado, como aliás é impossível não acontecer.
2 – Isto só ganhou relevo dado haver uma Nota de Redacção em que é chamada a atenção sobre o meu uso da citada caixa baixa.
3 – Tal nota, situação perfeitamente anómala, funciona obviamente como manipulação, pois é óbvio que se destina a induzir o leitor a pensar que eu menorizo o Holocausto, transformando-o de substantivo próprio em substantivo comum. Quanto à importância e o respeito que me merece o Holocausto, que, repito, não atingiu só os judeus, nem sequer ponho a hipótese de o discutir.
4 – Felizmente que a prova do contrário está no meu artigo de opinião que deu origem à polémica, publicado a 2 de Agosto de 2006, com o título “Vemos, ouvimos e lemos”, onde está escrito a palavra Holocausto, com caixa alta. Bastava ir vê-lo. Ou telefonar-me. Teria sido bem mais correcto do que fazer esta, quanto a mim propositada, distorção.
5 – É também com idênticos resultados que interpreto como de manipulação e distorção deontologicamente inaceitáveis que no mesmo texto da minha autoria de 14 de Agosto aparece um subtítulo extraído do texto, em que deste são suprimidas as palavras que a seguir ponho em negro: “O Hezbollah, goste-se ou não, é um partido organizado, tem deputados eleitos e foi a forma daquela população se organizar. Tem escolas, hospitais, assistência social. Não é uma organização terrorista e como tal não é considerada pela União Europeia.”
Os efeitos da supressão destas palavras são óbvios.
6 – O confronto de ideias e a discussão pública nos meios de comunicação são saudáveis e necessários. Venham eles. As manipulações são jogo lateral. O que estava em discussão era outro assunto, não era o uso de caixa alta ou caixa baixa”, respondeu Isabel do Carmo.

O Destaque não deturpa o pensamento da cronista. Os cortes
“goste-se ou não” e “como tal não é considerada pela União Europeia” são irrelevantes.
A Nota da Redacção (ou da Direcção?) é totalmente despropositada.

Sobre o blog

  • O blogue do Provedor do Leitor do PÚBLICO foi criado para facilitar a expressão dos sentimentos e das opiniões dos leitores sobre o PÚBLICO e para alargar as formas de contacto com o Provedor.

    Este blogue não pretende substituir as cartas e os e-mails que constituem a base do trabalho do Provedor e que permitem um contacto mais pessoal, mas sim constituir um espaço de debate, aberto aos leitores. À Direcção do PÚBLICO e aos seus jornalistas em torno das questões levantadas pelo Provedor.

    Serão, aqui, publicados semanalmente os textos do Provedor do Leitor do PÚBLICO e espera-se que eles suscitem reacções. O Provedor não se pode comprometer a responder a todos os comentários nem a arbitrar todas as discussões que aqui tiverem lugar. Mas ele seguirá atentamente tudo o que for aqui publicado.

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