domingo, agosto 27, 2006 

NÃO HÁ ALMOÇOS GRÁTIS, MAS... - PARTE III

O PÚBLICO publicou (no passado dia 14 de Agosto) um artigo de opinião da autoria de Isabel do Carmo.
O texto não passou despercebido, pelas piores razões. Suscitou, nomeadamente, a publicação de uma crónica no Diário de Notícias, comentários (“posts”) em vários blogues e o envio de cartas e mensagens electrónicas ao provedor do jornal.

Isabel do Carmo escreve hoje no PÚBLICO um artigo intitulado ‘Resposta a Esther Mucznik’ com que não concordo nem com uma linha. Mas não é isso que vem ao caso, mas sim a bizarra nota da redacção que foi acrescentada no fim: ‘NR – O PÚBLICO não alterou a grafia deste texto, designadamente o facto da autora escrever Holocausto com caixa baixa.’
“Esta agora, então num artigo de opinião o seu autor não pode escrever ‘holocausto’ com minúscula? Usar maiúsculas ou minúsculas, aspas ou outros mecanismos com significado é parte indissociável da liberdade de opinião.
Não percebo por que razão escrever ‘holocausto’ em minúscula justifica uma nota da redacção, nem me parece que o Livro de Estilo (que não posso consultar agora, nem sei se se aplica) se sobreponha sobre a intencionalidade valorativa da opinião. De facto, independentemente do artigo de Isabel do Carmo, eu também escolheria escrever ‘holocausto’ e não Holocausto se tivesse percebido o sentido interpretativo e ideológico que lhe dá a redacção do PÚBLICO que de todo recuso - a transformação do holocausto numa identidade a-histórica impossível de interpretar fora do quadro de uma determinada leitura disfarçada de intangibilidade moral”, escreve, por exemplo, José Pacheco Pereira no blogue Abrupto.

Não vejo a necessidade da nota. Parece-me que constitui um ‘golpe baixo’ por parte da redacção do PÚBLICO.
Desagradou-me profundamente, e fez-me perder alguma da confiança que tinha no PÚBLICO”, constata o leitor cibernauta marku@...

A Nota da Redacção colocada no final do artigo de Isabel do Carmo é tão indecente e cavilosa que, acumulada a tantas posições indecentes e cavilosas do director (em caixa baixa), me levam a desistir de comprar o PÚBLICO – coisa que faço há anos sem conta, diariamente.
É demais! Depois de, na última coluna do Provedor, o director ter dito que o PÚBLICO não tinha posição no conflito do Médio Oriente, esta nota é um escarro! Adeus!”, acrescenta Rosalvo Almeida, um leitor do Porto.

Esta nota suscita-me diversas interrogações que coloco à consideração do provedor. Qual é a regra, relativamente à grafia, adoptada para os textos de opinião? Com que frequência é que a Redacção altera a grafia dos textos? Como se decide o que é erro, gralha ou intenção? O autor do texto é alguma vez contactado durante o processo de revisão? A opção por introduzir notas é responsabilidade exclusiva da redacção? É raro encontrar notas deste tipo no final de textos de opinião. O que justificou a necessidade da redacção neste caso? Não bastaria incluir a primeira metade da nota, deixando os julgamentos de intenções e as opiniões para o leitor? Em geral, não seria preferível tratar todos os textos de igual forma e estabelecer uma regra geral – ‘a grafia dos textos de opinião é/não é revista’?”, pergunta e sugere Sérgio Nunes, um leitor de Moledo do Minho.

Parece-me no mínimo deselegante a pequena nota redactorial no final do artigo de Isabel do Carmo. Que sentido ou pertinência tem aquela nota? É para mostrar distância da Redacção (convém colocar o temo em caixa alta!) relativamente ao conteúdo do artigo por ser demasiado polémico? Se é o caso, então, dado que em temas complexos quase todas as opiniões são polémicas, a Redacção deveria produzir notas semelhantes para a generalidade dos artigos. Será para nos avisar de que se trata de um artigo que menoriza o fenómeno do Holocausto? Tive o cuidado de ler o texto e não me pareceu que houvesse em lado nenhum essa intenção; de qualquer modo, parece-me que deverá ser sempre o leitor, por si, a chegar às suas conclusões (e, se assim o entender, responder de forma adequada). Infelizmente, o parágrafo destacado (incompleto) e a pequena nota contribuem juntos para uma leitura apressada e num determinado sentido do artigo de Isabel do Carmo”, considera Ricardo Pinto, um leitor de Coimbra.

Na sua edição de 14 de Agosto, o PÚBLICO publicava um artigo de opinião de Isabel do Carmo intitulado ‘Resposta a Esther Mucznik’ no qual a autora criticava a acção do Estado de Israel no Líbano, contestava com argumentos claros uma pretensa continuidade e direito histórico e territorial entre o actual Estado de Israel e as tribos de fé judaica que, entre outras, estavam na região. O artigo está assinado e corresponde ao ponto de vista da autora. Sobre o mesmo cada qual faz a sua opinião. O que me incomodou e parece inaceitável é a Nota da Redacção acrescentada no fim do artigo (creio que nunca vi uma semelhante), na qual se refere que: ‘O PÚBLICO não alterou a grafia deste texto, designadamente o facto da autora escrever Holocausto com caixa baixa.’
No texto da autora fala-se, de facto, do ‘...terror do holocausto...’; com a adjectivação de ‘terror’ a preceder e qualificar aquele.
A Nota da Redacção é torpe e insidiosa, não acrescenta qualquer informação relevante e parece crer insinuar que a autora faz parte do grupo dos que negam a existência ou importância do Holocausto (não me atrevo a não usar a caixa alta não queiram fazer passar isso por revisionismo histórico).
A Nota da Redacção é dispensável, não me parece ter justificação jornalística, sendo, pois, mal-intencionada. Além que, ao contrário do artigo, não está assinada. Será que toda a Redacção a considera necessária e a subscreve?
Não precisamos deste atestado de analfabetismo e ignorância que nos querem passar, como se cada um de nós não fosse capaz de ler, ter a sua opinião sobre o que leu e tirar as suas conclusões, e precisasse que um intermediário lhe ‘mastigue’ e explique os textos”, comenta José Pedro Godinho.

As dúvidas e as questões apresentadas são legítimas e, decididamente, importantes.

A análise deste caso prosseguirá, portanto, no próximo domingo.

domingo, agosto 20, 2006 

NÃO HÁ ALMOÇOS GRÁTIS, MAS... – PARTE II

"Fico à espera da segunda parte e de saber se um jornalista do PÚBLICO poderia ir ao Líbano pago pelo Hezbollah, estar num hotel pago pelo Hezbollah?
E, já agora, à espera de saber porque é que em tantos dias de guerra o PÚBLICO não teve ninguém no Libano, ao contrário do que aconteceu em Israel.
Se são limitações financeiras é grave. Quer dizer que vemos o lado de quem pode pagar ao PÚBLICO as deslocações e estadia
”, escreve um leitor anónimo.

Solicitei um esclarecimento a José Manuel Fernandes.

“O convite teria de ser cuidadosamente analisado. A resposta dependeria da avaliação que fosse feita do interesse dos contactos a estabelecer, da liberdade que fosse dada ao jornalista (em Israel o grupo de jornalistas pôde movimentar-se à vontade, perguntar o que quis e, entre os que foram, alguns permaneceram depois no país para tentarem realizar outros trabalhos), e de um cuidado balanceamento entre o interesse de informar e o risco associado a divulgar actividades terroristas, amplificando o seu impacto. Recordo, por exemplo, que em Espanha chegou a discutir-se se se deviam noticiar os atentados da ETA pois tal resultaria sempre numa ‘vitória’ dos terroristas, pois um dos seus objectivos é, precisamente, chamar a atenção do público.
Quando viajei para Israel a guerra no Líbano não se tinha iniciado. Havia apenas o conflito na zona de Gaza, tendo eu sido ‘apanhado’ em Telavive quando se soube do rapto dos soldados israelitas que antecedeu o conflito generalizado. Regressei a Portugal no segundo dia desta guerra. Em Lisboa foi debatido se o jornal devia, e podia, enviar jornalistas para o Líbano e Israel, já que num conflito deste tipo deve haver visões dos dois lados. Sempre assim fizemos, do Kosovo ao Iraque. Desta vez, porém, tal não sucedeu por limitações financeiras. Devo contudo recordar que antes do conflito no Líbano, o PÚBLICO esteve em Gaza, do lado palestiniano, uma vez que uma sua jornalista se encontrava de férias na região e se disponibilizou para realizar um conjunto de reportagens.
Quanto a só ver ‘o lado de quem pode pagar’, é fácil de verificar que neste conflito o PÚBLICO publicou dezenas de reportagens realizadas nas diferentes frentes de batalha”, respondeu o director.

O PÚBLICO recorreu a notícias de agência, exclusivos do Libération, Washington Post, Los Angeles Times e a contactos com analistas libaneses e israelitas.
O provedor considera as explicações do director aceitáveis.


Admirável ‘objectividade’, a do título (‘MÍSSEIS DO HEZBOLLAH MATAM CIVIS NA CIDADE MAIS TOLERANTE DE ISRAEL’) da 1ª. Página do ‘PÚBLICO’ de 17 de Julho de 2006 — talvez resultado de o vosso não menos admirável director se encontrar em reportagem na Terra Santa!”, escreve o leitor Luís Imaginário.

Na primeira página da edição de hoje do Público, o título principal, como sabe, é o seguinte: ‘MÍSSEIS DO HEZBOLLAH MATAM CIVIS NA CIDADE MAIS TOLERANTE DE ISRAEL’.
Trata-se de um título inadmissivelmente parcial com vista a criar uma determinada opinião nos leitores, no que diz respeito ao objecto da notícia. Faz-se passar a mensagem, segundo a qual, o Hezbollah é um movimento/grupo terrorista de uma cega intolerância e que, precisamente por isso, não olha sequer a uma cidade que é ‘ a mais tolerante de Israel’. Esta mesma conclusão da minha parte é reforçada pelo conteúdo de toda a reportagem e editorial do director do PÚBLICO em que faz uma clara apologia de uma das partes em detrimento das razões da outra.
Na parte da reportagem que pretende transmitir a mensagem, segundo a qual, Haifa é a cidade mais tolerante de Israel, nada é avançado a favor dessa tese parcial. Nem se refere quem o quê provam essa tese... Pelo contrário, é referido que: ‘mais de 85.000 árabes optaram por migrar para o vizinho Líbano para fugir dos conflitos existentes na região’ e que ‘em 30 de Dezembro de 1947, militantes da organização militar judaica Irgun lançaram duas bombas sobre uma multidão de árabes que se encontravam à espera de arranjar trabalho na construção civil’...Vê-se, pelo que afirma o PÚBLICO, a história de ‘tolerância’ da referida cidade!...
Concluindo: ao escolher para título de primeira página o título que escolheu, o PÚBLICO presta um péssimo serviço aos seus leitores, manifestando uma parcialidade indigna de um jornal que se auto-classifica de referência.
É certo que imediatamente por baixo do título maior é referido o seguinte: Raides israelitas no Líbano provocam 45 mortos e mais de 100 feridos. Contudo, esse sub-título é de tamanho muito menor e com um tom de ‘neutralidade’ face ao primeiro.
Eu gostaria que o PÚBLICO dissesse aos seus leitores onde é que está a tolerância nos bombardeamentos israelitas contra mulheres e crianças inocentes…
Aliás, contra populações civis inteiras...
Um jornal de ‘referência’ tem a obrigação de manter uma equidistância em relação às partes em conflito e limitar-se a informar com imparcialidade!
Dado o exposto, gostaria que o senhor provedor analisasse esta exposição e a tratasse na sua coluna habitual”,
propõe Pedro Miguel Almeida.

Pedi mais um esclarecimento ao director.

O título foi considerado infeliz na sua formulação na reunião de editores do dia seguinte. A infelicidade resultou do responsável pelo fecho do jornal nesse dia me ter contactado porque não estava satisfeito com uma formulação alternativa. O problema era: tendo as mortes ocorrido numa cidade, Haifa, que já havia sido visada por mísseis do Hezbollah antes, como dar mais conteúdo ao título. Depois de me descrever o conteúdo das várias páginas do destaque, e dizendo que neste era publicado um texto sobre aquela cidade ser considerada a mais tolerante de Israel (ideia que eu próprio já lera noutros jornais internacionais), sugeri uma formulação que integrasse essa ideia.
Tal pareceu pertinente na altura, pois em Haifa vivem muitos árabes israelitas e isso não evitou que tivesse sido visada pelo Hezbollah. No dia seguinte, sem a mesma pressão e podendo ver melhor o conteúdo de todo o jornal, percebeu-se que havia formulações mais felizes, sobretudo porque a razão principal da terceira cidade ter sido bombardeada não derivava de ser ‘a mais tolerante’, mas a que se situa mais próxima da fronteira do Líbano, logo a que está ao alcance dos mísseis do Hezebollah”, respondeu José Manuel Fernandes.

A opção do PÚBLICO foi infeliz, eu não diria melhor. E proponho uma escolha mais rigorosa dos títulos…

No V/ jornal de 17/07 - 1ª pág. - aparecia a 3 colunas a seguinte notícia: ‘Misseis do Hezbollah matam civis na cidade mais tolerante de israel’ – ‘Raides israelitas no líbano provocam 45 mortos e mais de 100 feridos’.
Logo, conclusões imediatas (e sem grande esforço) que se retiram:

1 - Se o Hezbollah mata ‘civis’ e os raides israelitas provocam mortos (sem mais nada) é porque estes não são civis.
De outro modo o articulista também os referiria. Ou seja a conjugação da leitura das 2 frases diz-nos: Hezbollah mata civis; israelistas matam (... militares);
2 - Os mísseis do Hezbollah matam - os raides israelitas provocam mortos. Parecem situações diferentes; uns matam, os outros não (só provocam mortos);
3 - Os mísseis do... matam... na cidade mais tolerante - os raides israelitas... mortos... feridos.
Conclusão: de certeza que numa zona não tolerante.
Depois lê-se a notícia - pág.2 - e afinal constata-se que ambos matam civis e que o número de civis mortos pelos mísseis do Hezbollah ( que foi segundo a notícia o mais mortífero de todos) foi de 8 pessoas e os feridos de 53.
Ora pelo título da 1ª pág (veja-se o diferente destaque dado) se os raides israelitas tinham ‘provocado’ 45 mortos e 100 feridos então quantos não teriam sido os números de pessoas (civis) que o Hezbollah ‘matou’? Olhe se fosse pelo diferente tamanho do corpo das letras teria sido no mínimo 4 vezes mais, isto é, 180 mortos
”, pergunta Manuel João Meira Fernandes da Póvoa de Varzim.

Eis a resposta do director: “Sobre o título principal não tenho nada a acrescentar ao já referido em anterior resposta. Sobre ‘matar’ ou ‘provocar mortos’, são duas formas diferentes de dizer a mesma coisa, sendo que é uma regra jornalística não repetir palavras em títulos. Quanto à identificação de civis ou não civis, durante este conflito as fontes israelitas identificavam sempre os mortos, davam os nomes e diziam se eram civis ou militares. No Líbano isso é muito mais difícil de fazer. Até quase ao fim da guerra nunca se falou de mortes de militares do lado libanês, mas sempre só ou de ‘mortos’ sem descriminar, ou de ‘civis’. A diferente organização dos dois Estados explica a diferença, mas basta folhear o jornal para perceber que se utilizou muito mais vezes o termo ‘civis’ do que ‘mortos’ em abstracto. Mais: hoje sabemos exactamente quantos soldados israelitas morreram, os seus nomes, idades e postos. Não há nenhuma informação fidedigna sobre quantos membros do Hezbollah morreram e não sei se alguma vez haverá”.

O provedor reconhece que as explicações factuais do director são aceitáveis.

domingo, agosto 13, 2006 

NÃO HÁ ALMOÇOS GRÁTIS, MAS… – PARTE I

Israel e o Líbano suscitaram inúmeros comentários.

“Li num blogue que o director do PÚBLICO foi a Israel pago pelo Ministério israelita dos Negócios Estrangeiros. Nas várias notícias que li do Sr. José Manuel Fernandes não vi nenhuma nota no artigo sobre esta situação que a ser verdadeira me parece grave. O mínimo que se exige, é que em TODOS os artigos do director do PÚBLICO, durante essa viagem, houvesse uma nota a alertar os leitores.
Não está em causa a honestidade pessoal do Sr. Fernandes que, na minha opinião, escreveria propaganda a Israel mesmo gratuitamente, está em causa o jornal identificar quem lhe paga as viagens quando isso colide com o conteúdo das reportagens. Era o mesmo que eu não saber que um jornalista que escreve, por exemplo, sobre Mercedes é pago pela Mercedes”, considera Nuno Ramos de Almeida (que me escreve “como leitor” apesar de trabalhar “neste momento como director do jornal do Bloco de Esquerda” e de ser “editor do Portal do BE - www.esquerda.net http://spectrum.weblog.com.pt/arquivo/2006/07/made_in_mossad.html”).

José Manuel Fernandes escreveu (no seguimento da sua viagem a Israel) duas notícias e uma análise. As mesmas foram publicadas nos dias 14 (página 4), 15 (pág. 4) e 17 de Julho (pág. 5). E o PÚBLICO assinalou (por três vezes) que o seu director “viajou a convite do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel”. A 17 de Julho o director também escreveu um editorial sobre o assunto onde não repetiu a indicação de que tinha estado em Israel. Era redundante.
O leitor não tem razão.


“Fiquei verdadeiramente atónita perante o facto de o director do ‘PÚBLICO’, José Manuel Fernandes, ter aceitado deslocar-se a Israel num momento destes, a convite e a expensas do governo israelita. Pode um jornal como o ‘PÚBLICO’, que preza a sua independência, ter um jornalista a relatar a guerra POR CONTA de uma das partes beligerantes?! Aceitaria o ‘PÚBLICO’ enviar ao sul do Líbano um outro dos seus jornalistas, mesmo em posição menos responsável e comprometedora que o director, para lá andar POR CONTA do Hezzbollah? Creio que andaria bem em não aceitar. Mas a própria confiança na provável recusa do ‘PÚBLICO’ a essa outra dependência suscita uma pergunta incómoda: então porquê a assimetria? Porque admite o ‘PÚBLICO’ que as suas facturas sejam pagas por uma das partes beligerantes e não pela outra?
A posição correcta seria apenas uma: se o ‘PÚBLICO’ quer informar os seus leitores sobre a guerra, e penso que deve fazê-lo, envie para o terreno jornalistas sem qualquer enfeudamento a nenhuma das forças em presença e pague-lhes, ele, jornal, os almoços e o mais que houver a pagar. Não há almoços grátis – e sobre o produto jornalístico deste agenciamento da viagem de JMF muito haveria a dizer. Não quero ir agora por aí: limito-me a admitir que os jornalistas se vejam obrigados a tal ou qual acordo com a força que controla o cenário da reportagem.
Há, entre esses, acordos mais questionáveis e outros menos, jornalistas ‘embedded’ até à obscenidade, e outros mais prudentes e recatados.
O que não é admissível é a aceitação de um financiamento que deixa os leitores do ‘PÚBLICO’ a consumirem, como informação independente, aquilo que obviamente conveio à propaganda do Tsahal”, escreve Elsa Silva.

A leitora questiona problemas importantes. E decididamente actuais, independentemente das acusações graves e não fundamentadas que formula (“– e sobre o produto jornalístico deste agenciamento da viagem de JMF muito haveria a dizer”; “envie para o terreno jornalistas sem qualquer enfeudamento a nenhuma das forças”).
Não comento a expressão andar “POR CONTA” por a mesma ser ofensiva.
Nem sempre é possível efectuar a cobertura jornalística de um conflito junto de todas as forças em presença.
E, por outro lado, o facto de um jornalista viajar a convite (ou com meios) de um dos lados não o impede de ser rigoroso, honesto e independente. O provedor realizou, por exemplo, uma “Grande Reportagem” (RTP) em Timor (1983) com recurso a jipes e a helicópteros fornecidos pelo governo de Jacarta. O apoio facultado pelas autoridades ocupantes não anulou o meu espírito crítico (que me proporcionou nove anos de lista negra indonésia).
Pedi esclarecimentos ao director do PÚBLICO.



Provedor — Até que ponto os jornalistas (incluindo o director do PÚBLICO) não foram utilizados por Israel (antes do início da operação militar de longa duração)?

José Manuel Fernandes (JMF) — O convite foi concretizado sexta-feira, dia 7 de Julho. Na altura não havia qualquer conflito com o Hezbollah, nem era previsível que houvesse. Se o Exército não tivesse sido apanhado de surpresa, não teria deixado capturar dois soldados e matar oito. Quanto a ser utilizado, só é utilizado quem se deixa utilizar.

Comentário do provedor: Só resta saber se a captura dos dois soldados foi, efectivamente, uma surpresa para o Exército. Israel raptou dias antes (24 de Junho) dois civis na Faixa de Gaza. E um dia depois, o Hamas capturou um soldado israelita. O conflito com o Hezbollah, por outro lado, dura há anos...


Provedor — É normal o PÚBLICO aceitar viagens pagas pelo MNE de Israel?

JMF — Sim. Por Israel ou por muitos outros países. A diferença do PÚBLICO é que assinala isso, por questões de transparência, o que poucos ou nenhuns fazem noutros órgãos de informação. A delegação integrava, entre outros, responsáveis do El País, The Times, Süddeutsche Zeitung, Le Figaro e do principal jornal de referência turco. E é normal porque
estes programas são muito intensos e permitem acesso aos mais altos responsáveis, sendo que no caso de Israel incluíam o governo e a oposição.

Comentário do provedor: É verdade que nem todos os jornais convidados referiram que viajaram a custas do governo israelita, mas acredito que seria preferível o PÚBLICO pagar as deslocações dos seus jornalistas.
Aquilo que está aqui em causa é o eventual aproveitamento (manipulação) dos media.
Considero que os convites são legítimos, mas raramente inocentes. Só deviam ser aceites quando não existe outra forma de efectuar a cobertura de um acontecimento.



Provedor — É possível manter uma posição de independência editorial quando os governos pagam as deslocações e proporcionam as entrevistas?

JMF — É. Nas entrevistas não houve qualquer limite para as perguntas, os jornalistas puderam perguntar tudo o que queriam. E o facto de a deslocação ser paga não nos coloca numa posição de menor independência do que aquela que temos quando, por exemplo, acompanhamos o Presidente da República ou o primeiro-ministro numa viagem oficial num avião por eles fretado.

Comentário do provedor: A explicação do director é aceitável. Mas creio que é importante questionar (neste caso preciso) a real motivação das autoridades israelitas. Independentemente do profissionalismo e da boa fé dos jornalistas convidados.


Provedor — Qual é a posição do PÚBLICO (caso exista uma) relativamente à questão Israel/Palestina?

JMF — Não existe posição do PÚBLICO. Basta ler tudo o que foi publicado ao longo dos anos. Nesta crise, à altura tinham sido escritos dois editoriais que o leitor pode consultar (um sexta-feira, outro segunda-feira) e uma análise do redactor principal.

Comentário do provedor: Apesar das opiniões (consideradas controversas por alguns leitores, mas legítimas) do director nos editoriais, o provedor reconhece que o PÚBLICO tem efectuado uma cobertura jornalística decente do Médio Oriente (incluindo o excelente tratamento da realidade palestiniana).


Provedor — Qual é a posição do director?

JMF — A posição do director é de extrema preocupação porque aquele conflito está a ser instrumentalizado por países como o Irão (o próprio Mubaraq disse que tinha quase negociada a libertação do soldado raptado pelo Hamas e que ela só não se concretizou por que o Irão interveio para a bloquear), porque enquanto todos não aceitarem o princípio dos dois Estados será sempre muito difícil encontrar uma situação estável, porque a comunidade internacional está dividida e parece impotente. Mesmo a proposta de Blair de enviar uma força de interposição para o sul do Líbano me parece difícil de concretizar sobretudo porque essa força teria de desalojar o Hezbollah e sofreria muitas baixas. Estarão as nossas opiniões públicas preparadas para isso?

Comentário do provedor: É uma visão do problema. É legítimo perguntar se os EUA (à semelhança do Irão, etc.) também não estão a instrumentalizar o conflito. E se, no fim de contas, aquilo que está em causa não é a liquidação da nação palestiniana…
As reacções das opiniões públicas são em grande parte condicionadas pela comunicação social.


O debate sobre Israel e o Líbano continua na próxima semana…

domingo, agosto 06, 2006 

PORMENORES – CONCLUSÃO

A mensagem de uma leitora indignada com a última crónica levou-me a adiar a análise dos comentários sobre Israel para a próxima semana.

“Li a sua coluna no PÚBLICO e devo dizer que estou parva. Um leitor (salvo o erro, de Santa Maria) protestava contra os recorrentes erros gramaticais dos jornalistas, com toda a razão, e na resposta diz-lhe que tem parcialmente razão? Não tem parcialmente, tem toda!
E o que é pior é que, na explicação (encomendada a um suposto professor de português que, se o é de facto, deve ser um terror para as pobres crianças... coitadas), verdadeiramente mirabolante, ainda dá a entender que o leitor não tem é razão nenhuma.
É para isto que serve um provedor? Se é, mais vale que deixe de haver. Mal por mal, fiquemos com as parvoíces dos jornalistas. Caucioná-las, depois, dessa forma disparatada, é que não. Com franqueza.
Não me leve a mal, mas o papel que fez ontem também envergonharia qualquer pessoa com a 4ª classe de antigamente. Ou nem isso: eu mesma, bem mais nova, estou envergonhadíssima”, escreve Joana Moura.

Eis o texto do leitor Rodrigo Sousa Sampaio, de Santa Maria da Feira, publicado no passado domingo, que está na origem deste protesto:

12/7, de novo em artigo de Tânia Laranjo, ‘depois das partes analisarem o conteúdo’. Não é ‘depois das’, é ‘depois de as’. Quando se segue um verbo, exige-se o desdobramento da preposição e do artigo.
(…)
O leitor tem parcialmente razão.
(…)
“Também de acordo com as regras ortográficas actuais, ‘das’ é a contracção da preposição ‘de’ com o artigo definido feminino plural ‘as’.
Na frase ‘Depois das partes…’, ‘das’ é a contracção da preposição ‘de’ com o artigo ‘as’, logo está de acordo com as regras actuais.
Um locutor que pretenda ser bem compreendido poderá dizer [depois de as partes…], visto que dará mais clareza ao seu discurso”, esclarece o professor António Tavares Louro”.

A minha conclusão (“O leitor tem parcialmente razão “) é correcta, ao contrário do que afirma a leitora.
Para que não restem dúvidas eis o parecer de Carlos Rocha, professor de Língua Portuguesa e coordenador executivo do Ciberdúvidas:

“1. O dr. Tavares Louro explica que, numa oração de infinitivo introduzida por preposição (como ‘depois de as partes analisarem o conteúdo’), é possível contrair a preposição com o artigo que faz parte do sujeito dessa oração (‘depois das partes analisarem’).
2. Esta posição é aceitável e pode apoiar-se em obras de referência, designadamente, na Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2003, 37.a ed., págs. 536-539) do ilustre gramático brasileiro Evanildo Bechara, que mostra que a contracção da preposição com artigo (‘das partes’), determinante (‘destas’) ou pronome (‘delas’) é possível, mesmo que estas palavras façam parte do sujeito de uma oração de infinitivo (na frase em discussão, ‘as partes’) (idem, pág. 536):
‘O que a lição dos fatos nos permite ensinar é que ambas as construções são corretas, segundo nos atestam [...] passagens que não se podem dar como errôneas ou descuidos de revisão. Trata-se de um problema de estilística fônica, pelo qual a não combinação encarece o papel do sujeito do infinitivo. Do ponto de vista meramente gramatical são válidas ambas construções.’ (…)
4. Esta posição é abonada com exemplos de autores como Alexandre Herculano (“só voltou depois ‘do’ infante estar proclamado regedor”; “apesar ‘da’ sua acção ser superior à autoridade dos bispos”), António Feliciano de Castilho (“depois ‘do’ Garrett escrever erradamente no seu Camões”) ou o grande sintaticista Epifânio da Silva Dias (“no caso ‘do’ infinitivo trazer complemento directo”).
5. Há, portanto, estudiosos e investigadores reputadíssimos que consideram que tão correcto é dizer ou escrever “depois das partes analisarem”, “depois destas partes analisarem” e “depois delas analisarem” como “depois de as partes analisarem”, “depois de estas partes analisarem” e “depois de elas analisarem”.
6. Contudo, na escrita, pelo menos no português europeu, de há muito que se consagrou a separação entre a preposição e as palavras referidas, sempre que estas ocorram em contexto de oração de infinitivo (“analisarem”). Este uso é, de resto, descrito e recomendado por Celso Cunha e Lindley Cintra na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 211), sem condenarem exemplos em contrário: ‘Quando a preposição que antecede o artigo está relacionada com o verbo, e não com o substantivo que o artigo introduz, é aconselhável que os dois elementos fiquem separados, embora não faltem exemplos da sua aglutinação na prática dos melhores escritores’ (…)”, esclarece o professor.

Como do ponto de vista gramatical são válidas as duas construções, considerei que o leitor tinha parcialmente razão.
De acordo com o Ciberdúvidas, é preferível separar a preposição quer de artigos, quer de determinantes e pronomes começados por vogal (‘este/esta’, ‘aquele/aquela’, ‘esse/essa’, ‘ele/ela’), desde que estes façam parte do sujeito de uma oração de infinitivo. É uma sugestão válida.
Aproveito a oportunidade para formular uma conclusão para estas crónicas.
Os erros e as gralhas são só pormenores. Há problemas muito mais importantes no plano do jornalismo (com repercussões bem mais graves) para serem debatidos pelo provedor (que não é o provedor dos pormenores). E algumas dessas questões foram de resto aqui analisadas: a confusão entre informação e publicidade, a censura prévia, o sensacionalismo, o plágio, a objectividade, etc.
Os pormenores não são graves e só foram analisados porque o número de gralhas e de erros me pareceu excessivo e, por outro lado, suscitou inúmeros comentários.
O jornalismo é uma actividade profissional complexa, mas não tem as características de uma ciência exacta. E um jornal não é uma enciclopédia, e muito menos uma Bíblia. Os jornalistas lidam com pressões e limitações, a começar pela inevitável escassez de espaço e de tempo.
Mesmo os melhores profissionais (e os jornais mais prestigiados) cometem erros. E o fenómeno não é, obviamente, exclusivamente português: Newsweek, New York Times, Washington Post, Boston Globe, The Guardian, Le Figaro, etc. desrespeitaram alguns dos princípios elementares da profissão. E reconheceram-no. A novidade é a crescente participação dos leitores e a proliferação de blogues na sua divulgação.
Considero que reconhecer os erros é uma atitude louvável, mas não basta. É necessário criar mecanismos eficazes e proporcionar meios que permitam evitar a sua repetição.
Hoje, o principal problema do jornalismo é a erosão progressiva da qualidade (provocada, designadamente, por opções editoriais controversas e influências económicas subtis, mas perniciosas).
O desafio é, portanto, recuperar a credibili-


O PÚBLICO ERROU (Terça-feira, 8 de Agosto de 2006 - edição impressa):
Um lamentável erro informático amputou as últimas linhas da crónica do provedor dos Leitores do passado domingo.
Aqui fica o final do texto, na íntegra: “O desafio é, portanto, recuperar a credibilidade, porque, no fim de contas, só ela poderá permitir contrariar o declínio das tiragens e as inerentes perdas financeiras. O resto são pormenores, podem ser importantes, mas não deixam de ser pormenores…


Sobre o blog

  • O blogue do Provedor do Leitor do PÚBLICO foi criado para facilitar a expressão dos sentimentos e das opiniões dos leitores sobre o PÚBLICO e para alargar as formas de contacto com o Provedor.

    Este blogue não pretende substituir as cartas e os e-mails que constituem a base do trabalho do Provedor e que permitem um contacto mais pessoal, mas sim constituir um espaço de debate, aberto aos leitores. À Direcção do PÚBLICO e aos seus jornalistas em torno das questões levantadas pelo Provedor.

    Serão, aqui, publicados semanalmente os textos do Provedor do Leitor do PÚBLICO e espera-se que eles suscitem reacções. O Provedor não se pode comprometer a responder a todos os comentários nem a arbitrar todas as discussões que aqui tiverem lugar. Mas ele seguirá atentamente tudo o que for aqui publicado.

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