E DEPOIS DO DIAGNÓSTICO?
"A notícia ‘Diagnóstico Gratuito para Matemática’, publicada na página 20 da edição de 14 de Agosto, está de acordo com os critérios de interesse noticioso de um jornal de referência. Para um leigo, parece configurar um claro caso de publicidade a um centro de explicações e pouco mais faz que citar um comunicado à imprensa.
Enquanto proprietário futuro de um pequeno centro de explicações, espero que o PÚBLICO dê a mesma importância jornalística ao comunicado que farei chegar à sua Redacção”, observa Salvador Barbosa de Lisboa.
As interrogações do leitor são pertinentes e decididamente legítimas.
Pedi, portanto, um esclarecimento ao editor da secção de Sociedade.
“A dúvida do leitor é pertinente e colocase-nos quase diariamente. Mas não podemos assentar uma regra básica e simplista de que não noticiamos iniciativas comerciais. Seria bem mais fácil para nós – até porque somos diariamente inundados com promoções, iniciativas e pseudo-notícias –, mas não pode ser.
A verdade é que, como em quase tudo no jornalismo, é preciso recorrer ao bom senso. Em última análise, a abertura de um centro comercial enquadrava-se nessa categoria de notícias que não daríamos, dado que a divulgação iria beneficiar os promotores da infra-estrutura, mas penso ser consensual que, muitas vezes, o impacto sobre a vida de uma cidade, ou até do país, merece que nos debrucemos sobre o assunto. Não poderíamos falar de concertos, de jogos de futebol, do Euromilhões...
No caso em apreço, há duas coisas que têm de ser tidas em consideração: estamos a falar da Matemática, a ‘besta negra’ dos nossos estudantes; e estamos a falar de um franchising espalhado por todo o país. São estes os critérios de relevância dados à notícia (que é, saliente-se, apenas uma breve de três parágrafos). É natural (embora não louvável, em termos editoriais...) que o texto utilize algumas das formulações constantes no comunicado enviado à redacção.
Sintetizando, o PÚBLICO noticiou a actividade de centros de diagnóstico dos alunos a Matemática, uma disciplina que muito preocupa pais e alunos e que esteve particularmente em foco no início do Verão, com a divulgação dos resultados dos exames nacionais. O PÚBLICO não divulga iniciativas comerciais só porque sim; mas não pode deixar de noticiar as que considera serem de interesse público.
É importante esclarecer que a “breve de três parágrafos” ocupa na realidade uma coluna com 43 linhas. De qualquer modo não é a dimensão do texto que está em causa, podia ter só meia dúzia de linhas. É o princípio.
1- O problema é a reprodução (quase na íntegra e com ligeiras alterações) de uma parte substancial do comunicado de imprensa da firma sem mencionar explicitamente (com a inserção designadamente de aspas) de que se tratava de uma citação. No jornalismo essa prática tem um nome: plágio.
2- E, neste caso poderá configurar, por outro lado, uma situação (no mínimo preocupante) de confusão entre informação e propaganda comercial.
Exemplos:
PÚBLICO:
“Os centros desenvolvem a metodologia Mathnasium, resultado do trabalho do professor e consultor norteamericano de Matemática Larry Martinek, que durante três décadas investigou, criou e testou novas formas de ensinar a disciplina.”
PROPAGANDA COMERCIAL:
“A metodologia Mathnasium é o resultado do trabalho de Larry Marinek, professor e consultor de Matemática em diversas escolas norte-americanas da Califórnia e que durante as últimas três décadas investigou, criou e testou novas formas de ensinar a disciplina.”
PÚBLICO:
“Os Centros Mathnasium são empresas especializadas no ensino da Matemática e possibilitam um conhecimento mais profundo sobre as aptidões, competências e domínio que cada jovem tem da Matemática, é anunciado em comunicado à imprensa.”
PROPAGANDA COMERCIAL:
“A iniciativa é dos Centros Mathnasium, especializados no ensino da disciplina, e visa possibilitar um conhecimento mais profundo sobre as aptidões, competências e domínio que cada jovem tem da Matemática. “
PÚBLICO:
“Para fazer o diagnóstico bastará aos estudantes do ensino básico dirigirem-se a um centro e inscreverem-se, marcando dia e hora.”
PROPAGANDA COMERCIAL:
“Para fazer o diagnóstico bastará aos estudantes dirigirem-se a qualquer um dos mais de 30 Centros Mathnasium e inscreverem-se, marcando dia e hora.”
As semelhanças são evidentes.
O PÚBLICO explicitou, curiosamente, o número exacto de centros que a referida empresa tem no país (quando o comunicado da própria Mathnasium é impreciso sobre essa mesma matéria).
PÚBLICO:
“A proposta é dos Centros Mathnasium, 32 espalhados por todo o país, que oferecem a realização de um diagnóstico gratuito aos conhecimentos dos alunos a esta disciplina.”
PROPAGANDA COMERCIAL:
“Mais de 30 Centros Mathnasium”.
É óbvio que “32” é preferível a “mais de 30 centros”.
O rigor e a precisão são essenciais no jornalismo porque aquilo que está em causa, no fim de contas, é a nossa própria credibilidade.
3- O provedor considera, por outro lado, que o lead (primeiro parágrafo) – “Antes de as aulas começarem, que tal os alunos fazerem um diagnóstico aos seus conhecimentos matemáticos?” – poderá não corresponder aos padrões exigidos num jornal de referência como o PÚBLICO.
O Livro de Estilo do jornal determina, aliás, que o lead, “parte essencial da construção de um texto jornalístico” não deve “começar com uma negativa nem de forma dubitativa, interrogativa ou condicional”, mas começa.
4- O PÚBLICO optou também por não indicar o nome do “autor” da prosa apesar de se tratar, segundo reconhece o editor de Sociedade, de um trabalho indiscutivelmente de cariz jornalístico e não propagandístico.
O provedor recorda alguns princípios gerais do Livro de Estilo: “Todos os textos são assinados, à excepção das breves” e “a assinatura de um texto deve reflectir de forma rigorosa a sua autoria”. Tal não aconteceu.
Se o comunicado de imprensa merecia ser “notícia” (com 1062 caracteres) é algo que não compete ao provedor decidir. O seu estatuto não o permite.
Inquiri o director do jornal.
“De uma forma genérica, posso fazer o segundo comentário:
a) Não é errado citar um comunicado de imprensa, pois é uma fonte de informação como qualquer outra;
b) Utilizar ou não um comunicado de imprensa como única fonte de uma notícia decorre de avaliar o seu interesse e verificar se necessita ou não de contraditório. Por exemplo: é notícia informar que saiu um livro, um automóvel ou que um banco alterou a sua taxa de juro porque são assuntos que interessam a muitos leitores e o simples facto de informar que ocorreram não implica apoiá-los ou impede que depois sejam objecto de escrutínio ou mesmo crítica;
c) Face ao interesse, que julgamos existir, de muitos pais em encontrarem forma de testar os conhecimentos em matemática dos seus filhos, a notícia tinha interesse. Porventura dela resultou que a Mathnasium conseguiu mais alguns clientes. Mas se o jornal noticiar que amanhã chega às livrarias mais um livro do Harry Porter, mesmo sem antes ter conseguido lê-lo, isso é errado? Não, porque haveria muitos leitores interessados na notícia;
d) Em síntese: o facto de a notícia não apoiar nem se distanciar do seu objecto concreto, a Mathnasium, não é um bem ou um mal em si, até porque a fonte está bem identificada, o texto é seco e objectivo e presumiu-se que a informação seria do interesse de muitos leitores”, respondeu José Manuel Fernandes.
Conclusões do provedor:
a) Não é errado citar um comunicado, mas o “artigo” em questão reproduz quase na íntegra um comunicado comercial sem mencionar explicitamente a autoria do texto.
b) O problema não é o comunicado constituir a única fonte da notícia. No “caso em apreço” até nem parece sê-lo na medida em que o jornalista menciona o número exacto de centros e a firma não o faz. Aquilo que é questionado é a fronteira entre informação e publicidade. O jornalismo serve para informar. A publicidade (iniciativa legítima) serve para convencer. É errado misturar os géneros.
c) Não comento o “interesse” “de muitos pais em encontrarem forma de testar os conhecimentos em matemática dos seus filhos”. É opinião.
Também não me pronuncio sobre o controverso ‘dá-lhes o que eles querem’ (“leitores interessados”) porquanto é o director quem decide a linha editorial do jornal.
d) Discordo. A fonte poderá estar identificada, mas o texto não me parece particularmente “seco” (“Antes de as aulas começarem, que tal os alunos fazerem um diagnóstico aos seus conhecimentos matemáticos?”) e muito menos objectivo. E mais: reproduz largas parcelas do comunicado sem mencionar sequer a autoria do texto.
O provedor considera que o PÚBLICO errou.
Enquanto proprietário futuro de um pequeno centro de explicações, espero que o PÚBLICO dê a mesma importância jornalística ao comunicado que farei chegar à sua Redacção”, observa Salvador Barbosa de Lisboa.
As interrogações do leitor são pertinentes e decididamente legítimas.
Pedi, portanto, um esclarecimento ao editor da secção de Sociedade.
“A dúvida do leitor é pertinente e colocase-nos quase diariamente. Mas não podemos assentar uma regra básica e simplista de que não noticiamos iniciativas comerciais. Seria bem mais fácil para nós – até porque somos diariamente inundados com promoções, iniciativas e pseudo-notícias –, mas não pode ser.
A verdade é que, como em quase tudo no jornalismo, é preciso recorrer ao bom senso. Em última análise, a abertura de um centro comercial enquadrava-se nessa categoria de notícias que não daríamos, dado que a divulgação iria beneficiar os promotores da infra-estrutura, mas penso ser consensual que, muitas vezes, o impacto sobre a vida de uma cidade, ou até do país, merece que nos debrucemos sobre o assunto. Não poderíamos falar de concertos, de jogos de futebol, do Euromilhões...
No caso em apreço, há duas coisas que têm de ser tidas em consideração: estamos a falar da Matemática, a ‘besta negra’ dos nossos estudantes; e estamos a falar de um franchising espalhado por todo o país. São estes os critérios de relevância dados à notícia (que é, saliente-se, apenas uma breve de três parágrafos). É natural (embora não louvável, em termos editoriais...) que o texto utilize algumas das formulações constantes no comunicado enviado à redacção.
Sintetizando, o PÚBLICO noticiou a actividade de centros de diagnóstico dos alunos a Matemática, uma disciplina que muito preocupa pais e alunos e que esteve particularmente em foco no início do Verão, com a divulgação dos resultados dos exames nacionais. O PÚBLICO não divulga iniciativas comerciais só porque sim; mas não pode deixar de noticiar as que considera serem de interesse público.
O que o editor num determinado dia (e os dias não são todos iguais, em termos de fluxo noticioso e gestão de espaço de jornal...)considera relevante e o que cada leitor possapensar sobre o assunto não será, em muitoscasos, certamente o mesmo. Pelo que haverásempre espaço para a crítica. E essa, desdeque feita em termos correctos e construtivos,obriga-nos a ser ainda mais atentos,” respondeu Luís Francisco.
Os comentários do editor da secção de Sociedade não parecem aceitáveis apesar das nuances e do mea culpa (parcial): “é natural (embora não louvável, em termos editoriais...) que o texto utilize algumas das formulações constantes no comunicado enviado à redacção”.É importante esclarecer que a “breve de três parágrafos” ocupa na realidade uma coluna com 43 linhas. De qualquer modo não é a dimensão do texto que está em causa, podia ter só meia dúzia de linhas. É o princípio.
1- O problema é a reprodução (quase na íntegra e com ligeiras alterações) de uma parte substancial do comunicado de imprensa da firma sem mencionar explicitamente (com a inserção designadamente de aspas) de que se tratava de uma citação. No jornalismo essa prática tem um nome: plágio.
2- E, neste caso poderá configurar, por outro lado, uma situação (no mínimo preocupante) de confusão entre informação e propaganda comercial.
Exemplos:
PÚBLICO:
“Os centros desenvolvem a metodologia Mathnasium, resultado do trabalho do professor e consultor norteamericano de Matemática Larry Martinek, que durante três décadas investigou, criou e testou novas formas de ensinar a disciplina.”
PROPAGANDA COMERCIAL:
“A metodologia Mathnasium é o resultado do trabalho de Larry Marinek, professor e consultor de Matemática em diversas escolas norte-americanas da Califórnia e que durante as últimas três décadas investigou, criou e testou novas formas de ensinar a disciplina.”
PÚBLICO:
“Os Centros Mathnasium são empresas especializadas no ensino da Matemática e possibilitam um conhecimento mais profundo sobre as aptidões, competências e domínio que cada jovem tem da Matemática, é anunciado em comunicado à imprensa.”
PROPAGANDA COMERCIAL:
“A iniciativa é dos Centros Mathnasium, especializados no ensino da disciplina, e visa possibilitar um conhecimento mais profundo sobre as aptidões, competências e domínio que cada jovem tem da Matemática. “
PÚBLICO:
“Para fazer o diagnóstico bastará aos estudantes do ensino básico dirigirem-se a um centro e inscreverem-se, marcando dia e hora.”
PROPAGANDA COMERCIAL:
“Para fazer o diagnóstico bastará aos estudantes dirigirem-se a qualquer um dos mais de 30 Centros Mathnasium e inscreverem-se, marcando dia e hora.”
As semelhanças são evidentes.
O PÚBLICO explicitou, curiosamente, o número exacto de centros que a referida empresa tem no país (quando o comunicado da própria Mathnasium é impreciso sobre essa mesma matéria).
PÚBLICO:
“A proposta é dos Centros Mathnasium, 32 espalhados por todo o país, que oferecem a realização de um diagnóstico gratuito aos conhecimentos dos alunos a esta disciplina.”
PROPAGANDA COMERCIAL:
“Mais de 30 Centros Mathnasium”.
É óbvio que “32” é preferível a “mais de 30 centros”.
O rigor e a precisão são essenciais no jornalismo porque aquilo que está em causa, no fim de contas, é a nossa própria credibilidade.
3- O provedor considera, por outro lado, que o lead (primeiro parágrafo) – “Antes de as aulas começarem, que tal os alunos fazerem um diagnóstico aos seus conhecimentos matemáticos?” – poderá não corresponder aos padrões exigidos num jornal de referência como o PÚBLICO.
O Livro de Estilo do jornal determina, aliás, que o lead, “parte essencial da construção de um texto jornalístico” não deve “começar com uma negativa nem de forma dubitativa, interrogativa ou condicional”, mas começa.
4- O PÚBLICO optou também por não indicar o nome do “autor” da prosa apesar de se tratar, segundo reconhece o editor de Sociedade, de um trabalho indiscutivelmente de cariz jornalístico e não propagandístico.
O provedor recorda alguns princípios gerais do Livro de Estilo: “Todos os textos são assinados, à excepção das breves” e “a assinatura de um texto deve reflectir de forma rigorosa a sua autoria”. Tal não aconteceu.
Se o comunicado de imprensa merecia ser “notícia” (com 1062 caracteres) é algo que não compete ao provedor decidir. O seu estatuto não o permite.
Inquiri o director do jornal.
“De uma forma genérica, posso fazer o segundo comentário:
a) Não é errado citar um comunicado de imprensa, pois é uma fonte de informação como qualquer outra;
b) Utilizar ou não um comunicado de imprensa como única fonte de uma notícia decorre de avaliar o seu interesse e verificar se necessita ou não de contraditório. Por exemplo: é notícia informar que saiu um livro, um automóvel ou que um banco alterou a sua taxa de juro porque são assuntos que interessam a muitos leitores e o simples facto de informar que ocorreram não implica apoiá-los ou impede que depois sejam objecto de escrutínio ou mesmo crítica;
c) Face ao interesse, que julgamos existir, de muitos pais em encontrarem forma de testar os conhecimentos em matemática dos seus filhos, a notícia tinha interesse. Porventura dela resultou que a Mathnasium conseguiu mais alguns clientes. Mas se o jornal noticiar que amanhã chega às livrarias mais um livro do Harry Porter, mesmo sem antes ter conseguido lê-lo, isso é errado? Não, porque haveria muitos leitores interessados na notícia;
d) Em síntese: o facto de a notícia não apoiar nem se distanciar do seu objecto concreto, a Mathnasium, não é um bem ou um mal em si, até porque a fonte está bem identificada, o texto é seco e objectivo e presumiu-se que a informação seria do interesse de muitos leitores”, respondeu José Manuel Fernandes.
Conclusões do provedor:
a) Não é errado citar um comunicado, mas o “artigo” em questão reproduz quase na íntegra um comunicado comercial sem mencionar explicitamente a autoria do texto.
b) O problema não é o comunicado constituir a única fonte da notícia. No “caso em apreço” até nem parece sê-lo na medida em que o jornalista menciona o número exacto de centros e a firma não o faz. Aquilo que é questionado é a fronteira entre informação e publicidade. O jornalismo serve para informar. A publicidade (iniciativa legítima) serve para convencer. É errado misturar os géneros.
c) Não comento o “interesse” “de muitos pais em encontrarem forma de testar os conhecimentos em matemática dos seus filhos”. É opinião.
Também não me pronuncio sobre o controverso ‘dá-lhes o que eles querem’ (“leitores interessados”) porquanto é o director quem decide a linha editorial do jornal.
d) Discordo. A fonte poderá estar identificada, mas o texto não me parece particularmente “seco” (“Antes de as aulas começarem, que tal os alunos fazerem um diagnóstico aos seus conhecimentos matemáticos?”) e muito menos objectivo. E mais: reproduz largas parcelas do comunicado sem mencionar sequer a autoria do texto.
O provedor considera que o PÚBLICO errou.