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domingo, julho 30, 2006 

PORMENORES - PARTE II

A notícia sobre a exploração de ouro no Brasil suscitou inúmeros protestos.

No PÚBLICO de 2006-07-10 veio publicada uma notícia não assinada sobre a exploração de ouro na serra Pelada, Brasil, em que a certo passo se dizia: ‘… Djalma Pereira de Oliveira, 40 anos, examina a areia grossa de um rio lamacento. Nos melhores dias, ele chega a encontrar uma grama de ouro, no máximo.’
Esta frase contém um erro de palmatória que me parece inadmissível num jornal de referência como o PÚBLICO: em português, a palavra que designa a unidade de massa ‘grama’ é um substantivo masculino e não feminino, como indica erradamente o artigo indefinido no texto. É claro que muita gente ignorante diz ‘uma grama’, ou mais correntemente na praça ou até no supermercado ‘duzentas gramas’ ou ‘quinhentas gramas’, por exemplo, mas quem não é ignorante sabe ou tem obrigação de saber que o correcto é ‘um grama’, ‘duzentos gramas’ e ‘quinhentos gramas’.
Um jornalista tem a obrigação de saber isto.
Os erros de linguagem científica são muito frequentes em meios de comunicação, o que é lamentável, mas por vezes o desconhecimento é desculpável e só se lamenta que não se tenha consultado um especialista, uma obra de referência ou um bom dicionário, mas neste caso o género da palavra é do conhecimento comum e o erro é indesculpável.
Para mais, não se trata de um simples lapso, pois o erro é salientado no título em grandes letras ‘Uma grama por dia, à espera que a mina volte a abrir’ e logo com o destaque da última página do jornal.
É de recomendar mais cuidado! Pelo menos um grama de cuidado”, sugere Júlio Freire de Andrade.

Será que no PÚBLICO não há dicionários? A credibilidade de um jornal não passa só pela informação que transmite, mas também pela forma.
Não custa nada estarem mais atentos a estes erros de ‘palmatória’”, propõe Sónia Azevedo, uma leitora de Amarante.

Corremos o ‘risco’ de passarmos a ler outras palavras, como o célebre ‘prontos’ e o ‘ouvistes’?”, adverte Arnaldo Valente, leitor de Castelo Branco.

Como leitor (e assinante) do PÚBLICO, não posso esconder o meu desagrado e desconforto por, mais uma vez, ver a língua pátria assassinada.
Uma grama? No PÚBLICO? E no texto (final da 1.ª coluna do artigo) repete-se a ‘graça’... O artigo, deduzo, é de uma qualquer agência internacional.
Quem traduziu? Quem editou? Ninguém reviu?
Senhor provedor, não é aceitável um deslize desta natureza; com o destaque que foi dado, é demasiado gritante. (...) São pequenos (?) pormenores que não são aceitáveis num jornal de referência que pretende ser (e é!). A pressão para o fecho da edição e outras desculpas habituais não explicam tudo.
Tem de haver outro tipo de atenção para lapsos desta natureza”, diz José António Ribeiro da Cunha, um leitor do Porto.

Os reparos são pertinentes.


José Manuel Fernandes reconhece que “o caso ‘uma grama’ é mais grave por ser um título e por ser um erro comum na linguagem corrente a que se deve estar mais atento. Na reunião de editores seguinte – segunda-feira – foi decidido fazer um ‘PÚBLICO errou’”.

A explicação do director é aceitável.

Por diversas vezes tenho lido frases em que se emprega moral no masculino, exemplo ‘... levantar o moral’, julgo que está incorrecto, pois deveria ser ‘levantar a moral’, a menos que se esteja a falar sobre um muro e aí seria ‘... levantar o mural’”, argumenta Maivone.

O leitor não tem razão.


Moral é basicamente um adjectivo relacionado com o comportamento humano. ‘
A moral’ é um substantivo do género feminino e designa as normas de honestidade, dignidade, boa conduta etc.
‘O moral’ é um substantivo do género masculino que significa: ânimo, capacidade de luta, etc.”, explica António Tavares Louro, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas – Estudos Portugueses e Franceses pela Faculdade de Letras de Lisboa, professor de Português; e colaborador do interessante e útil Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
(http: //ciberduvidas.sapo.pt/).

Sou leitor do PÚBLICO desde a sua fundação, em 1990, e vou constatando com alguma pena que o jornal, uma referência desde o início em termos de rigor – jornalístico e linguístico –, não tem nos últimos anos parado de piorar a olhos vistos.
Ficando apenas pela questão da ortografia, e pegando em alguns exemplos recentes:

24/7, num artigo de Andréia Azevedo Soares, ‘ninguém a chamou à atenção’.
Sinceramente, pensava que este era um exclusivo das ignorantes repórteres de televisão. Pelos vistos, já chegou ao PÚBLICO.
E, curiosamente, ainda deixam a jovem (suponho) jornalista em questão escrever, volta e meia, críticas de cinema nas quais já li, por exemplo, que o The New World é um filme ‘chato’. Sim senhora.

4/7, num artigo de Tânia Laranjo,’enquanto era chamado à atenção’. Lá voltamos ao mesmo. A atenção não é nenhuma espécie de repartição pública a que se seja chamado. Não se diz ‘enquanto era chamado à atenção’ mas sim, evidentemente, ‘enquanto lhe era chamada a atenção’ para o que quer que fosse. Apre.

12/7, de novo em artigo de Tânia Laranjo, ‘depois das partes analisarem o conteúdo’. Não é ‘depois das’, é ‘depois de as’. Quando se segue um verbo, exige-se o desdobramento da preposição e do artigo.

Não seria boa ideia o PÚBLICO dar umas aulitas de português aos estagiários antes de os lançar, tão tenrinhos, às feras?
Os reparos parecem um preciosismo insignificante, mas não são. Isto é grave. E mais o é quando acontece, nos últimos anos, todos os dias. Proponho ao jornal que tome atenção. Da excelência do início está a passar à mais triste vulgaridade”, escreve o leitor cibernauta Rodrigo Sousa Sampaio, de Santa Maria da Feira.

O leitor tem parcialmente razão.

“Chamar é um verbo transitivo. Assim, dizemos: ‘Eu chamei a minha filha...’, ‘Eu chamei-a...’ e ‘Eu chamei a atenção da minha filha...’. Nesta última frase, a atenção é o complemento directo. É evidente que não se justifica a contracção ‘à’.
Numa frase como ‘Ninguém a chamou à atenção…’, estamos a sintetizar uma declaração equivalente a ‘Ninguém a chamou para que prestasse atenção a…’. Nesta frase de superfície ‘Ninguém a chamou à atenção…’ ficou apenas: o sujeito – ninguém; complemento directo – a; complemento indirecto – à atenção; predicado – chamou. O complemento indirecto é regido pela preposição ‘a’, como é mais frequente.
A tendência geral da fonética da Língua Portuguesa é para a formação das contracções e, por isso, poderemos ouvir os locutores dizerem [chamar àtenção]. Segundo as regras ortográficas, é impossível uma transcrição equivalente a esta realização fonética.
Também de acordo com as regras ortográficas actuais, ‘das’ é a contracção da preposição ‘de’ com o artigo definido feminino plural ‘as’.
Na frase ‘Depois das partes…’, ‘das’ é a contracção da preposição ‘de’ com o artigo ‘as’, logo está de acordo com as regras actuais.
Um locutor que pretenda ser bem compreendido poderá dizer [depois de as partes…], visto que dará mais clareza ao seu discurso”, esclarece o professor António Tavares Louro.

Conclusão: “‘Chamar à atenção’ é uma forma abreviada de dizer: ‘Chamar (alguém) à atenção’ ou ‘Chamar alguém para que preste atenção’. E pode ser também, de acordo com o Houaiss, ‘repreender, advertir, admoestar’”, resume o docente no Ciberdúvidas.

Só me resta repetir aquilo que escrevi em Maio: os jornalistas cometem erros de palmatória que fariam empalidecer os alunos de uma 4.ª classe do antigamente.

Os erros de português não são um problema exclusivo do PÚBLICO, são (infelizmente) um sinal
dos tempos. Os jornalistas, os editores e os copydesks que temos ou não temos explicam o resto…

Senhor professor, se hoje em dia temos um fraco nivel de lingua portuguesa , aos nossos professores o devemos agradecer,sei do que falo porque frequentei o curso de Portugués Inglés numa Universidade portuguesa e alguns professores escreviam e falavam pior que eu e ainda me chumbavam nas frequencias.
Maria, Évora

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