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domingo, outubro 07, 2007 

A ONDA DO DEIXA ANDAR

“Se tiver tempo e quiser documentar-se sobre uma reclamação que fiz por causa do texto que acompanha a fotografia de surf das páginas centrais do PÚBLICO de um dia destes (25 de Setembro de 2007, ndp), aconselho-o a dar um salto ao blogue mais visto pela comunidade portuguesa do surf (http://www.ondas.weblog.com.pt/) onde há um conjunto de comentários bem mais ácidos que o meu. Vale o que vale, mas também não lhe toma muito tempo”, escreve Henrique Pereira dos Santos, um leitor de Lisboa.

O provedor consultou, portanto, o referido blogue.

“Há uma velha anedota que diz que só acredita nos jornais quem nunca leu uma notícia sobre si próprio. A generalização pode parecer perniciosa, mas no fundo é verdadeira. E nem sequer vale a pena tentar entender quem são os culpados desta dura realidade. O lodo já inquinou totalmente as águas. Hoje em dia, os chamados Órgãos de Comunicação Social de referência, quer sejam jornais, televisões ou rádios, são nada mais do que empresas, cujo lucro advêm da venda de algo parecido com notícias. O PÚBLICO de hoje faz uma página central com uma foto de um surfista e com o seguinte texto não assinado:

Hossegor, à excepção dos surfistas e de quem passa férias naquela terra, não deve ser conhecida por mais ninguém. Agora, e até ao dia 30, é o centro do mundo para os melhores surfistas. Hossegor fica em França, na verdade no sul de França, perto de Biarritz e muito perto da fronteira com Espanha. Pelos vistos, tem boas ondas, proporcionadas pelo Mediterrâneo. No Quiksilver Pro France estão, por exemplo, Kelly Slater, Mick Fanning, Andy Irons e Tai Burrow, só para citar alguns. Portugal, como é um país com tradição de mar, também está representado por Tiago ‘Saca’ Pires. Todos estão lá para apanhar a melhor onda, para desafiar, para apanhar o melhor tubo. Um estranho bailado com as ondas que passou a fazer parte da paisagem de qualquer praia. Onde houver uma boa onda lá estará um surfista, pelo menos. E gente que gosta de ver quem se põe em cima de uma prancha, num estranho equilíbrio que termina sempre dentro de água. O mar sempre atraiu os homens. Sabia que os primeiros registos europeus, segundo a Wikipédia, chegam ao século XVIII? Nessa altura, fazia parte da cultura indígena do Havai. Hoje é um desporto e um negócio. E dá sempre belíssimas imagens. E vontade de experimentar aos que estão em terra.

Se o ridículo matasse, o pobre estagiário que escreveu estes miseráveis pedaços de prosa, mais o editor que não os reviu, mais o director que nem sabia que tal se passava, mais o dono da empresa que é dona do jornal que apenas manda que não se gaste mais do que x euros por mês na trapalhada toda, estavam todos mortos.

Avancemos para um pouco de semiótica:

‘Hossegor, à excepção dos surfistas e de quem passa férias naquela terra, não deve ser conhecida por mais ninguém’ (primeira demonstração de absoluta ignorância por parte do autor do texto, Hossegor é uma das mais conhecidas regiões de veraneio da França). ‘Agora, e até ao dia 30, é o centro do mundo para os melhores surfistas’ (não é nem o centro nem a periferia, é apenas mais uma paragem no movimentado e global ‘circuito da cerveja’). ‘Hossegor fica em França, na verdade no sul de França, perto de Biarritz e muito perto da fronteira com Espanha’ (até aqui tudo bem). ‘Pelos vistos, tem boas ondas, proporcionadas pelo Mediterrâneo’ (Mediterrâneo? Aqui o desvario atinge o limite máximo, o Mediterrâneo, meu amigo, fica do outro lado…). ‘No Quiksilver Pro France estão, por exemplo, Kelly Slater, Mick Fanning, Andy Irons e Tai’ (sic) ‘Burrow, só para citar alguns. Portugal, como é um país com tradição de mar’ (ou o que quer que isso signifique…), ‘também está representado por Tiago “Saca” Pires’ (não está, esteve nos trials, mas o Tiago perdeu e quem representou o multi-culturalismo nacional foi o luso-germânico Marlon Lipke, mas esse o ‘jornalista’ certamente nem faz ideia de quem seja…). ‘Todos estão lá para apanhar a melhor onda, para desafiar’ (???), ‘para apanhar o melhor tubo’ (liberdade poética…). ‘Um estranho bailado com as ondas que passou a fazer parte da paisagem de qualquer praia’ (libertinagem poética sob influência de demasiados episódios dos Morangos com Açúcar…). ‘Onde houver uma boa onda lá estará um surfista’ (plágio descarado do ONDAS?), ‘pelo menos’ (pelo menos? Pelo menos? Mas que raio é que este ‘pelo menos’ quer dizer???). ‘E gente que gosta de ver quem se põe em cima de uma prancha, num estranho equilíbrio que termina sempre dentro de água’ (duh, se não terminasse dentro de água terminava onde?). ‘O mar sempre atraiu os homens. Sabia que os primeiros registos europeus, segundo a Wikipédia’ (é sempre uma garantia de credibilidade citar a Wikipédia…), ‘chegam ao século XVIII? Nessa altura, fazia parte da cultura indígena do Havai. Hoje é um desporto e um negócio. E dá sempre belíssimas imagens’ (e maus textos…). ‘E vontade de experimentar aos que estão em terra’.
A mim dá-me vontade de pregar uma boa amona a estes jornalistas que nem sequer sabem ler os comunicados das agências, que não se esforçam por investigar um mínimo para os parágrafos que escrevem e aos editores deste jornais ditos sérios que não passam de folhas de couve armadas em influentes que distorcem e vilipendiam a realidade mais simples.
Assim vão as glórias do mundo”.

Eis alguns excertos dos comentários “bem mais ácidos”:

“A única coisa que se safa no artigo é a fotografia. lol”, escreve Sheesh Kabob.

“gosto particularmente da parte em que se fala de os primeiros registos europeus da atracção do homem pelo mar datarem do século XVIII (segundo a wikipedia, é claro). é q é isso que de facto lá está escrito. é espantoso como é q o PÚBLICO sistematicamente permite que sejam publicados disparates de todo o tamanho, neste caso numa dupla, sem que ninguém reveja, edite ou sequer pense um segundo sobre o q está escrito. Jornalismo de referência?”, escreve PAS.

“Pois bem...neste caso, este artigo do ‘fidedigno’ e ‘Honorável’ jornal o ‘PÚBLICO’, vai entrar no rol das maiores baboseiras JAMAIS escritas e veiculadas ao nobre desporto do príncipe Duke Kahanamoku!
O incauto jornalista (!!??) consegui trespassar em larga escala a barreira do ridículo, chegando a ser tragicómico na sua pérola jornalística!
O pináculo da peça foi quando ele fala no Mediterrâneo HAHAHAHAHHAHAHA!
Esta foi inequivocamente a maior aberração já lida por mim, nesses anos todos como fiel acompanhante da imprensa escrita, no que concerne ao nosso querido amado desporto!
Uma pérola sem igual que ficará nos anais do desporto, e que dificilmente vou esquecer-me...”, escreve Pontinha Star.

“É um artigo cheio de pormenores deliciosos, que li como se de um pedaço de comédia se tratasse!
É que até nos créditos que dão à fotografia foram capazes de escrever em vez de ASP – AFP.
É genial! Deve estar a trabalhar com o Herman José dentro de pouco tempo”, escreve Dias..

“Veremos o que acontece. O jornalismo de referência não se distingue do resto por não ter erros mas sim por procurar detectá-los e corrigi-los”, conclui o leitor Henrique Pereira dos Santos.

O jornal publicou um dia depois uma nota“O PÚBLICO errou”:
“Hossegor, a estância francesa de surf na região de Biarritz, fica próxima da fronteira espanhola mas é banhada pelo oceano Atlântico e não pelo Mediterrâneo, como ontem erradamente se escreveu na legenda da foto das páginas centrais.”
A “legenda” de 212 palavras contém erros factuais, incoerências, recurso à “fonte” wikipedia, etc.

O surf é só um desporto, mas é certo que estes erros são preocupantes. Podem deixar presumir que o conjunto das matérias noticiadas no jornal contém inúmeros erros. Ora, como se sabe, qualquer generalização é perigosa.
Quanto ao caso concreto em apreço, o provedor só pode concluir que o leitor tem razão. O PÚBLICO errou. E aquilo que está em causa – repito – não é apenas a localização geográfica de Hossegor...

Sobre o blog

  • O blogue do Provedor do Leitor do PÚBLICO foi criado para facilitar a expressão dos sentimentos e das opiniões dos leitores sobre o PÚBLICO e para alargar as formas de contacto com o Provedor.

    Este blogue não pretende substituir as cartas e os e-mails que constituem a base do trabalho do Provedor e que permitem um contacto mais pessoal, mas sim constituir um espaço de debate, aberto aos leitores. À Direcção do PÚBLICO e aos seus jornalistas em torno das questões levantadas pelo Provedor.

    Serão, aqui, publicados semanalmente os textos do Provedor do Leitor do PÚBLICO e espera-se que eles suscitem reacções. O Provedor não se pode comprometer a responder a todos os comentários nem a arbitrar todas as discussões que aqui tiverem lugar. Mas ele seguirá atentamente tudo o que for aqui publicado.

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