A DIFERENÇA
“Há muito que tenho o jornalista Adelino Gomes como um exemplo profissional – como haverá poucos, deixe-me sublinhar. Por isso, quando os jornalistas exemplares cometem deslizes custa-nos a todos muito mais.
Na edição do dia 6 de Março, Adelino Gomes publicou uma entrevista com o primeiro-ministro de Timor-Leste, Ramos-Horta (pág. 13). E creio que cometeu o erro de ter bebido excessivamente das palavras do seu entrevistado – na linguagem popular dir-se-ia que foi mais papista que o Papa. Na entrada da entrevista, o jornalista escreve: ‘ À frente nas sondagens, Ramos-Horta desvaloriza as manifestações de apoio da juventude ao major rebelde Alfredo Reinado’. Ora, ao escrever que o actual primeiro-ministro de Timor-Leste estará à frente das ‘sondagens’, o jornalista remete-nos para um universo no qual haveria uma série de institutos de sondagens, credíveis, em Timor-Leste, a tentar antecipar o resultado das eleições de Abril. Tal, como creio que o Provedor do Leitor saberá, não existe em Timor-Leste.
É o próprio Ramos-Horta que refere, no último parágrafo da entrevista, que até agora foi feita apenas uma sondagem (e será que um conjunto de perguntas – e a quantas pessoas? – faz uma sondagem?; para o jornalista Adelino Gomes não existem diferenças entre uma sondagem, de base científica, e um inquérito, feito pela própria redacção?) e que foi feita telefonicamente. Atrever-me-ia a dizer que, em Timor-Leste, 80 por cento da população não tem telefone; que no interior do país apenas uma pequeníssima minoria o tem; e que é esse sector da população, o tal desprovido de telefone, que vota de olhos fechados no candidato da Fretilin.
Caro Provedor, considero pois que tal afirmação carece de confirmação e considero um manifesto exagero que o Público assuma que o Ramos-Horta está à frente nas ‘sondagens’ (como foi feito por Adelino Gomes na entrada do seu texto). Para mais, para o leitor médio português, o que ficará desta entrevista (quantos leitores não lêem apenas as entradas?) é que Ramos-Horta se prepara para ganhar as eleições. É que, ainda por cima, a entrada conjungada com o título possibilita a leitura de que o próprio Ramos-Horta está a falar da sua eventual vitória eleitoral, concluindo que a sua eleição como Presidente não corre riscos – ‘Eleições não estão necessariamente em perigo.’
Perdoe-me a ousadia, caro Provedor, mas às vezes até os jornalistas exemplares se distraem excessivamente. Parece-me uma evidência afirmar que os jornalistas devem sempre confirmar as informações dos seus entrevistados, sobretudo quando depois decidem assumi-las em discurso afirmativo do seu próprio jornal. Neste caso, isso não aconteceu e enganou-se os leitores”, escreve Maria Santos, uma leitora de Torres Novas.
Os reparos são pertinentes.
Solicitei, portanto, um esclarecimento a Adelino Gomes.
“A leitora tem razão. Errei ao escrever sondagens. ‘Inquérito’ estaria mais certo. Mas essa opção obrigar-me-ia a acrescentar ‘telefónico, feito por um jornal local’, o que se tornaria impossível, dado o limite de caracteres da entrada. De qualquer modo a minha obrigação era encontrar a palavra mais adequada, o que, manifestamente, não fiz. Agradeço a chamada de atenção. Mesmo achando que a leitora exagera nos considerandos sobre o ‘leitor médio’ e na sofisticada ‘leitura’ que entendeu fazer de que o trabalho poderia passar a mensagem de que a eleição de Ramos-Horta não corre riscos”, respondeu o jornalista.
Pedi a Adelino Gomes para explicitar as condições em que foi elaborado o referido texto.
“Tratava-se de uma entrada para uma rubrica chamada “Três perguntas a...”. Por razões de espaço (neste caso - algo de raro -, dispunha, no total, de mais caracteres, o que só vim a saber já sobre a hora de fecho) tornou-se necessário aproveitar não três mas as quatro perguntas que eu fizera originalmente a Ramos-Horta.
Ao fazê-lo, porém, tivemos que transformar as ‘Três perguntas a’ em… ‘Entrevista com’. E isso implica, graficamente, a necessidade de fazer uma entrada com menos de metade dos caracteres da anterior, seguida de um pequeno texto introdutório.
Ora, este serve, numa entrevista, para dar ao leitor certas informações que relevam da observação directa do entrevistador – entre outros dados, o local onde decorreu, a forma como o entrevistado se apresenta, etc. –, questões que não poderia incluir pois as respostas haviam-me chegado por e-mail.
A solução acabou por ser ditada pela urgência: entrada brevíssima e o tal texto introdutório um pouco mais longo. Este, porém, voltou a não me sair isento de crítica. Embora deva dizer que a formulação – ‘Na bolsa das sondagens presidenciais, feita por um jornal de Díli’ - corresponde mais à ideia que faço e julgo que (não é piada à leitora…) o ‘leitor médio’ fará deste tipo de duelo político: uma espécie de bolsa em que diferentes factores, nem sempre os mais recomendáveis, vão determinando as posições relativas dos candidatos.
Em resumo: entrada e texto introdutório (alguns voltam a chamar-lhe, pelo seu carácter um pouco vago e subjectivo, ‘nariz de cera’, como antigamente se designavam os textos gongóricos com que abriam as reportagens) ficaram muito aquém do que eu gostaria agora de estar aqui a defender. Pela criticada falta de rigor e, no caso do segundo, porque resultou num produto algo repetitivo em relação à entrada.
Nem de propósito: há minutos, fui informado de que o mesmo jornal (Suara Timor Lorosae, acabei de saber) fez manchete, hoje, sexta-feira (09/03/2007), com o resultado de novo inquérito telefónico. Resultado que desta vez, a fazer fé na fonte (o jornal em questão escreve quase toda a edição em língua indonésia), inverteu os números de há uma semana: Lu-Olo esmagadoramente à frente de Ramos-Horta…
São evidentes as limitações deste tipo de trabalho. O próprio Horta, de resto, falava delas na entrevista, como bem assinala a nossa leitora. Mas penso que, não há possibilidade de lhe escapar, em termos jornalísticos. Nem em Timor-Leste, nem aqui. Com a vantagem, no que respeita a Portugal, de este tipo de informação, dada a distância, funcionar mais como uma curiosidade.”
Nada a acrescentar.
Todos os jornais e todos jornalistas cometem erros, mas o PÚBLICO e alguns jornalistas reconhecem-no.
Na edição do dia 6 de Março, Adelino Gomes publicou uma entrevista com o primeiro-ministro de Timor-Leste, Ramos-Horta (pág. 13). E creio que cometeu o erro de ter bebido excessivamente das palavras do seu entrevistado – na linguagem popular dir-se-ia que foi mais papista que o Papa. Na entrada da entrevista, o jornalista escreve: ‘ À frente nas sondagens, Ramos-Horta desvaloriza as manifestações de apoio da juventude ao major rebelde Alfredo Reinado’. Ora, ao escrever que o actual primeiro-ministro de Timor-Leste estará à frente das ‘sondagens’, o jornalista remete-nos para um universo no qual haveria uma série de institutos de sondagens, credíveis, em Timor-Leste, a tentar antecipar o resultado das eleições de Abril. Tal, como creio que o Provedor do Leitor saberá, não existe em Timor-Leste.
É o próprio Ramos-Horta que refere, no último parágrafo da entrevista, que até agora foi feita apenas uma sondagem (e será que um conjunto de perguntas – e a quantas pessoas? – faz uma sondagem?; para o jornalista Adelino Gomes não existem diferenças entre uma sondagem, de base científica, e um inquérito, feito pela própria redacção?) e que foi feita telefonicamente. Atrever-me-ia a dizer que, em Timor-Leste, 80 por cento da população não tem telefone; que no interior do país apenas uma pequeníssima minoria o tem; e que é esse sector da população, o tal desprovido de telefone, que vota de olhos fechados no candidato da Fretilin.
Caro Provedor, considero pois que tal afirmação carece de confirmação e considero um manifesto exagero que o Público assuma que o Ramos-Horta está à frente nas ‘sondagens’ (como foi feito por Adelino Gomes na entrada do seu texto). Para mais, para o leitor médio português, o que ficará desta entrevista (quantos leitores não lêem apenas as entradas?) é que Ramos-Horta se prepara para ganhar as eleições. É que, ainda por cima, a entrada conjungada com o título possibilita a leitura de que o próprio Ramos-Horta está a falar da sua eventual vitória eleitoral, concluindo que a sua eleição como Presidente não corre riscos – ‘Eleições não estão necessariamente em perigo.’
Perdoe-me a ousadia, caro Provedor, mas às vezes até os jornalistas exemplares se distraem excessivamente. Parece-me uma evidência afirmar que os jornalistas devem sempre confirmar as informações dos seus entrevistados, sobretudo quando depois decidem assumi-las em discurso afirmativo do seu próprio jornal. Neste caso, isso não aconteceu e enganou-se os leitores”, escreve Maria Santos, uma leitora de Torres Novas.
Os reparos são pertinentes.
Solicitei, portanto, um esclarecimento a Adelino Gomes.
“A leitora tem razão. Errei ao escrever sondagens. ‘Inquérito’ estaria mais certo. Mas essa opção obrigar-me-ia a acrescentar ‘telefónico, feito por um jornal local’, o que se tornaria impossível, dado o limite de caracteres da entrada. De qualquer modo a minha obrigação era encontrar a palavra mais adequada, o que, manifestamente, não fiz. Agradeço a chamada de atenção. Mesmo achando que a leitora exagera nos considerandos sobre o ‘leitor médio’ e na sofisticada ‘leitura’ que entendeu fazer de que o trabalho poderia passar a mensagem de que a eleição de Ramos-Horta não corre riscos”, respondeu o jornalista.
Pedi a Adelino Gomes para explicitar as condições em que foi elaborado o referido texto.
“Tratava-se de uma entrada para uma rubrica chamada “Três perguntas a...”. Por razões de espaço (neste caso - algo de raro -, dispunha, no total, de mais caracteres, o que só vim a saber já sobre a hora de fecho) tornou-se necessário aproveitar não três mas as quatro perguntas que eu fizera originalmente a Ramos-Horta.
Ao fazê-lo, porém, tivemos que transformar as ‘Três perguntas a’ em… ‘Entrevista com’. E isso implica, graficamente, a necessidade de fazer uma entrada com menos de metade dos caracteres da anterior, seguida de um pequeno texto introdutório.
Ora, este serve, numa entrevista, para dar ao leitor certas informações que relevam da observação directa do entrevistador – entre outros dados, o local onde decorreu, a forma como o entrevistado se apresenta, etc. –, questões que não poderia incluir pois as respostas haviam-me chegado por e-mail.
A solução acabou por ser ditada pela urgência: entrada brevíssima e o tal texto introdutório um pouco mais longo. Este, porém, voltou a não me sair isento de crítica. Embora deva dizer que a formulação – ‘Na bolsa das sondagens presidenciais, feita por um jornal de Díli’ - corresponde mais à ideia que faço e julgo que (não é piada à leitora…) o ‘leitor médio’ fará deste tipo de duelo político: uma espécie de bolsa em que diferentes factores, nem sempre os mais recomendáveis, vão determinando as posições relativas dos candidatos.
Em resumo: entrada e texto introdutório (alguns voltam a chamar-lhe, pelo seu carácter um pouco vago e subjectivo, ‘nariz de cera’, como antigamente se designavam os textos gongóricos com que abriam as reportagens) ficaram muito aquém do que eu gostaria agora de estar aqui a defender. Pela criticada falta de rigor e, no caso do segundo, porque resultou num produto algo repetitivo em relação à entrada.
Nem de propósito: há minutos, fui informado de que o mesmo jornal (Suara Timor Lorosae, acabei de saber) fez manchete, hoje, sexta-feira (09/03/2007), com o resultado de novo inquérito telefónico. Resultado que desta vez, a fazer fé na fonte (o jornal em questão escreve quase toda a edição em língua indonésia), inverteu os números de há uma semana: Lu-Olo esmagadoramente à frente de Ramos-Horta…
São evidentes as limitações deste tipo de trabalho. O próprio Horta, de resto, falava delas na entrevista, como bem assinala a nossa leitora. Mas penso que, não há possibilidade de lhe escapar, em termos jornalísticos. Nem em Timor-Leste, nem aqui. Com a vantagem, no que respeita a Portugal, de este tipo de informação, dada a distância, funcionar mais como uma curiosidade.”
Nada a acrescentar.
Todos os jornais e todos jornalistas cometem erros, mas o PÚBLICO e alguns jornalistas reconhecem-no.