PORMENORES – CONCLUSÃO
A mensagem de uma leitora indignada com a última crónica levou-me a adiar a análise dos comentários sobre Israel para a próxima semana.
“Li a sua coluna no PÚBLICO e devo dizer que estou parva. Um leitor (salvo o erro, de Santa Maria) protestava contra os recorrentes erros gramaticais dos jornalistas, com toda a razão, e na resposta diz-lhe que tem parcialmente razão? Não tem parcialmente, tem toda!
E o que é pior é que, na explicação (encomendada a um suposto professor de português que, se o é de facto, deve ser um terror para as pobres crianças... coitadas), verdadeiramente mirabolante, ainda dá a entender que o leitor não tem é razão nenhuma.
É para isto que serve um provedor? Se é, mais vale que deixe de haver. Mal por mal, fiquemos com as parvoíces dos jornalistas. Caucioná-las, depois, dessa forma disparatada, é que não. Com franqueza.
Não me leve a mal, mas o papel que fez ontem também envergonharia qualquer pessoa com a 4ª classe de antigamente. Ou nem isso: eu mesma, bem mais nova, estou envergonhadíssima”, escreve Joana Moura.
Eis o texto do leitor Rodrigo Sousa Sampaio, de Santa Maria da Feira, publicado no passado domingo, que está na origem deste protesto:
“12/7, de novo em artigo de Tânia Laranjo, ‘depois das partes analisarem o conteúdo’. Não é ‘depois das’, é ‘depois de as’. Quando se segue um verbo, exige-se o desdobramento da preposição e do artigo.
(…)
O leitor tem parcialmente razão.
(…)
“Também de acordo com as regras ortográficas actuais, ‘das’ é a contracção da preposição ‘de’ com o artigo definido feminino plural ‘as’.
Na frase ‘Depois das partes…’, ‘das’ é a contracção da preposição ‘de’ com o artigo ‘as’, logo está de acordo com as regras actuais.
Um locutor que pretenda ser bem compreendido poderá dizer [depois de as partes…], visto que dará mais clareza ao seu discurso”, esclarece o professor António Tavares Louro”.
A minha conclusão (“O leitor tem parcialmente razão “) é correcta, ao contrário do que afirma a leitora.
Para que não restem dúvidas eis o parecer de Carlos Rocha, professor de Língua Portuguesa e coordenador executivo do Ciberdúvidas:
“1. O dr. Tavares Louro explica que, numa oração de infinitivo introduzida por preposição (como ‘depois de as partes analisarem o conteúdo’), é possível contrair a preposição com o artigo que faz parte do sujeito dessa oração (‘depois das partes analisarem’).
2. Esta posição é aceitável e pode apoiar-se em obras de referência, designadamente, na Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2003, 37.a ed., págs. 536-539) do ilustre gramático brasileiro Evanildo Bechara, que mostra que a contracção da preposição com artigo (‘das partes’), determinante (‘destas’) ou pronome (‘delas’) é possível, mesmo que estas palavras façam parte do sujeito de uma oração de infinitivo (na frase em discussão, ‘as partes’) (idem, pág. 536):
‘O que a lição dos fatos nos permite ensinar é que ambas as construções são corretas, segundo nos atestam [...] passagens que não se podem dar como errôneas ou descuidos de revisão. Trata-se de um problema de estilística fônica, pelo qual a não combinação encarece o papel do sujeito do infinitivo. Do ponto de vista meramente gramatical são válidas ambas construções.’ (…)
4. Esta posição é abonada com exemplos de autores como Alexandre Herculano (“só voltou depois ‘do’ infante estar proclamado regedor”; “apesar ‘da’ sua acção ser superior à autoridade dos bispos”), António Feliciano de Castilho (“depois ‘do’ Garrett escrever erradamente no seu Camões”) ou o grande sintaticista Epifânio da Silva Dias (“no caso ‘do’ infinitivo trazer complemento directo”).
5. Há, portanto, estudiosos e investigadores reputadíssimos que consideram que tão correcto é dizer ou escrever “depois das partes analisarem”, “depois destas partes analisarem” e “depois delas analisarem” como “depois de as partes analisarem”, “depois de estas partes analisarem” e “depois de elas analisarem”.
6. Contudo, na escrita, pelo menos no português europeu, de há muito que se consagrou a separação entre a preposição e as palavras referidas, sempre que estas ocorram em contexto de oração de infinitivo (“analisarem”). Este uso é, de resto, descrito e recomendado por Celso Cunha e Lindley Cintra na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 211), sem condenarem exemplos em contrário: ‘Quando a preposição que antecede o artigo está relacionada com o verbo, e não com o substantivo que o artigo introduz, é aconselhável que os dois elementos fiquem separados, embora não faltem exemplos da sua aglutinação na prática dos melhores escritores’ (…)”, esclarece o professor.
Como do ponto de vista gramatical são válidas as duas construções, considerei que o leitor tinha parcialmente razão.
De acordo com o Ciberdúvidas, é preferível separar a preposição quer de artigos, quer de determinantes e pronomes começados por vogal (‘este/esta’, ‘aquele/aquela’, ‘esse/essa’, ‘ele/ela’), desde que estes façam parte do sujeito de uma oração de infinitivo. É uma sugestão válida.
Aproveito a oportunidade para formular uma conclusão para estas crónicas.
Os erros e as gralhas são só pormenores. Há problemas muito mais importantes no plano do jornalismo (com repercussões bem mais graves) para serem debatidos pelo provedor (que não é o provedor dos pormenores). E algumas dessas questões foram de resto aqui analisadas: a confusão entre informação e publicidade, a censura prévia, o sensacionalismo, o plágio, a objectividade, etc.
Os pormenores não são graves e só foram analisados porque o número de gralhas e de erros me pareceu excessivo e, por outro lado, suscitou inúmeros comentários.
O jornalismo é uma actividade profissional complexa, mas não tem as características de uma ciência exacta. E um jornal não é uma enciclopédia, e muito menos uma Bíblia. Os jornalistas lidam com pressões e limitações, a começar pela inevitável escassez de espaço e de tempo.
Mesmo os melhores profissionais (e os jornais mais prestigiados) cometem erros. E o fenómeno não é, obviamente, exclusivamente português: Newsweek, New York Times, Washington Post, Boston Globe, The Guardian, Le Figaro, etc. desrespeitaram alguns dos princípios elementares da profissão. E reconheceram-no. A novidade é a crescente participação dos leitores e a proliferação de blogues na sua divulgação.
Considero que reconhecer os erros é uma atitude louvável, mas não basta. É necessário criar mecanismos eficazes e proporcionar meios que permitam evitar a sua repetição.
Hoje, o principal problema do jornalismo é a erosão progressiva da qualidade (provocada, designadamente, por opções editoriais controversas e influências económicas subtis, mas perniciosas).
O desafio é, portanto, recuperar a credibili-
O PÚBLICO ERROU (Terça-feira, 8 de Agosto de 2006 - edição impressa):
Um lamentável erro informático amputou as últimas linhas da crónica do provedor dos Leitores do passado domingo.
Aqui fica o final do texto, na íntegra: “O desafio é, portanto, recuperar a credibilidade, porque, no fim de contas, só ela poderá permitir contrariar o declínio das tiragens e as inerentes perdas financeiras. O resto são pormenores, podem ser importantes, mas não deixam de ser pormenores…”
“Li a sua coluna no PÚBLICO e devo dizer que estou parva. Um leitor (salvo o erro, de Santa Maria) protestava contra os recorrentes erros gramaticais dos jornalistas, com toda a razão, e na resposta diz-lhe que tem parcialmente razão? Não tem parcialmente, tem toda!
E o que é pior é que, na explicação (encomendada a um suposto professor de português que, se o é de facto, deve ser um terror para as pobres crianças... coitadas), verdadeiramente mirabolante, ainda dá a entender que o leitor não tem é razão nenhuma.
É para isto que serve um provedor? Se é, mais vale que deixe de haver. Mal por mal, fiquemos com as parvoíces dos jornalistas. Caucioná-las, depois, dessa forma disparatada, é que não. Com franqueza.
Não me leve a mal, mas o papel que fez ontem também envergonharia qualquer pessoa com a 4ª classe de antigamente. Ou nem isso: eu mesma, bem mais nova, estou envergonhadíssima”, escreve Joana Moura.
Eis o texto do leitor Rodrigo Sousa Sampaio, de Santa Maria da Feira, publicado no passado domingo, que está na origem deste protesto:
“12/7, de novo em artigo de Tânia Laranjo, ‘depois das partes analisarem o conteúdo’. Não é ‘depois das’, é ‘depois de as’. Quando se segue um verbo, exige-se o desdobramento da preposição e do artigo.
(…)
O leitor tem parcialmente razão.
(…)
“Também de acordo com as regras ortográficas actuais, ‘das’ é a contracção da preposição ‘de’ com o artigo definido feminino plural ‘as’.
Na frase ‘Depois das partes…’, ‘das’ é a contracção da preposição ‘de’ com o artigo ‘as’, logo está de acordo com as regras actuais.
Um locutor que pretenda ser bem compreendido poderá dizer [depois de as partes…], visto que dará mais clareza ao seu discurso”, esclarece o professor António Tavares Louro”.
A minha conclusão (“O leitor tem parcialmente razão “) é correcta, ao contrário do que afirma a leitora.
Para que não restem dúvidas eis o parecer de Carlos Rocha, professor de Língua Portuguesa e coordenador executivo do Ciberdúvidas:
“1. O dr. Tavares Louro explica que, numa oração de infinitivo introduzida por preposição (como ‘depois de as partes analisarem o conteúdo’), é possível contrair a preposição com o artigo que faz parte do sujeito dessa oração (‘depois das partes analisarem’).
2. Esta posição é aceitável e pode apoiar-se em obras de referência, designadamente, na Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2003, 37.a ed., págs. 536-539) do ilustre gramático brasileiro Evanildo Bechara, que mostra que a contracção da preposição com artigo (‘das partes’), determinante (‘destas’) ou pronome (‘delas’) é possível, mesmo que estas palavras façam parte do sujeito de uma oração de infinitivo (na frase em discussão, ‘as partes’) (idem, pág. 536):
‘O que a lição dos fatos nos permite ensinar é que ambas as construções são corretas, segundo nos atestam [...] passagens que não se podem dar como errôneas ou descuidos de revisão. Trata-se de um problema de estilística fônica, pelo qual a não combinação encarece o papel do sujeito do infinitivo. Do ponto de vista meramente gramatical são válidas ambas construções.’ (…)
4. Esta posição é abonada com exemplos de autores como Alexandre Herculano (“só voltou depois ‘do’ infante estar proclamado regedor”; “apesar ‘da’ sua acção ser superior à autoridade dos bispos”), António Feliciano de Castilho (“depois ‘do’ Garrett escrever erradamente no seu Camões”) ou o grande sintaticista Epifânio da Silva Dias (“no caso ‘do’ infinitivo trazer complemento directo”).
5. Há, portanto, estudiosos e investigadores reputadíssimos que consideram que tão correcto é dizer ou escrever “depois das partes analisarem”, “depois destas partes analisarem” e “depois delas analisarem” como “depois de as partes analisarem”, “depois de estas partes analisarem” e “depois de elas analisarem”.
6. Contudo, na escrita, pelo menos no português europeu, de há muito que se consagrou a separação entre a preposição e as palavras referidas, sempre que estas ocorram em contexto de oração de infinitivo (“analisarem”). Este uso é, de resto, descrito e recomendado por Celso Cunha e Lindley Cintra na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 211), sem condenarem exemplos em contrário: ‘Quando a preposição que antecede o artigo está relacionada com o verbo, e não com o substantivo que o artigo introduz, é aconselhável que os dois elementos fiquem separados, embora não faltem exemplos da sua aglutinação na prática dos melhores escritores’ (…)”, esclarece o professor.
Como do ponto de vista gramatical são válidas as duas construções, considerei que o leitor tinha parcialmente razão.
De acordo com o Ciberdúvidas, é preferível separar a preposição quer de artigos, quer de determinantes e pronomes começados por vogal (‘este/esta’, ‘aquele/aquela’, ‘esse/essa’, ‘ele/ela’), desde que estes façam parte do sujeito de uma oração de infinitivo. É uma sugestão válida.
Aproveito a oportunidade para formular uma conclusão para estas crónicas.
Os erros e as gralhas são só pormenores. Há problemas muito mais importantes no plano do jornalismo (com repercussões bem mais graves) para serem debatidos pelo provedor (que não é o provedor dos pormenores). E algumas dessas questões foram de resto aqui analisadas: a confusão entre informação e publicidade, a censura prévia, o sensacionalismo, o plágio, a objectividade, etc.
Os pormenores não são graves e só foram analisados porque o número de gralhas e de erros me pareceu excessivo e, por outro lado, suscitou inúmeros comentários.
O jornalismo é uma actividade profissional complexa, mas não tem as características de uma ciência exacta. E um jornal não é uma enciclopédia, e muito menos uma Bíblia. Os jornalistas lidam com pressões e limitações, a começar pela inevitável escassez de espaço e de tempo.
Mesmo os melhores profissionais (e os jornais mais prestigiados) cometem erros. E o fenómeno não é, obviamente, exclusivamente português: Newsweek, New York Times, Washington Post, Boston Globe, The Guardian, Le Figaro, etc. desrespeitaram alguns dos princípios elementares da profissão. E reconheceram-no. A novidade é a crescente participação dos leitores e a proliferação de blogues na sua divulgação.
Considero que reconhecer os erros é uma atitude louvável, mas não basta. É necessário criar mecanismos eficazes e proporcionar meios que permitam evitar a sua repetição.
Hoje, o principal problema do jornalismo é a erosão progressiva da qualidade (provocada, designadamente, por opções editoriais controversas e influências económicas subtis, mas perniciosas).
O desafio é, portanto, recuperar a credibili-
O PÚBLICO ERROU (Terça-feira, 8 de Agosto de 2006 - edição impressa):
Um lamentável erro informático amputou as últimas linhas da crónica do provedor dos Leitores do passado domingo.
Aqui fica o final do texto, na íntegra: “O desafio é, portanto, recuperar a credibilidade, porque, no fim de contas, só ela poderá permitir contrariar o declínio das tiragens e as inerentes perdas financeiras. O resto são pormenores, podem ser importantes, mas não deixam de ser pormenores…”
Deveras hilariante. Com tanta porcaria a acontecer pelo país fora, há quem ainda se divirta a criticar e perder (e fazer perder) tempo com ninharias... Realmente... E eu quando li o artigo pensei em algo catastrófico, um texto cheio de erros ortográficos, quando verifico que se trata de um mero "desdobramento da preposição e do artigo"...
Posted by Anónimo | 4:42 da tarde
É impossível deixar passar: além dos dispartes que debita diaramente na sua coluna de opinião, desta vez, o Sr. Pulido Valente, brinda-nos com um entrada triunfal na sua crónica de hoje, 11Agosto2006: "Ontem a polícia inglesa impediu um atentado, que teria *morto* centenas de pessoas..." "Teria morto"? Sr. Pulido Valente: e que tal aprender português?!
Posted by Brumo Gomas | 7:30 da tarde
Um pormenor que é a forma. A forma que é tão importante quanto o conteúdo. É o que diz no LIVRO DE ESTILO, que parece ser do desconhecimento de muitos jornalistas que não se regem pelo que lá vem.
O leitor discorda do provedor.
PS: "teria morto" está correcto. Nas "observações" ao capítulo "Verbos Abundantes", a NOVA GRAMÁTICA DO PORTUGUÊS CONTEMPORÂNEO diz claramente que "'morto' é particípio de 'morrer' e estendeu-se também a 'matar'."
Posted by Anónimo | 9:41 da manhã
Caro Leitor,
Parece-me que as questões relacionadas com a ética deviam ocupar mais espaço do que os problemas ortográficos.
Melhores cumprimentos,
Rui Araújo
Provedor do Leitor do PÚBLICO
Posted by Anónimo | 12:07 da manhã
Acho que toda a critica deve ser sempre benvinda! Aprendi mais de portugues, talvez isso me salve por um ponto em uma prova ou concurso para o resto da minha vida. E um detalhe, os pormenores sempre são importantes sim, pois um erro JAMAIS DEVE justificar o outro!!! E o todo nada mais é do que a soma de vários pormenores!!!
Posted by Anónimo | 12:28 da manhã