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domingo, maio 21, 2006 

AUTORIA - PRIMEIRA PARTE

Dois leitores escreveram ao provedor por causa de um problema ético grave: a reprodução de informação alheia sem atribuição exaustiva da fonte.

"Sr. provedor, um artigo da BBC News, escrito pelo sr. Gavin Esler, foi “traduzido” e publicado no jornal PÚBLICO no dia 10/04/2006 sob a assinatura de um jornalista.
Neste artigo, o sr. jornalista não menciona a fonte e limitou-se a fazer uma tradução literal desse artigo.
Na universidade, isso dá direito a nota 0 (zero).
Como leitor do PÚBLICO, gostaria de saber se Gavin Esler é o nome artístico deste senhor jornalista, ou se este sr. jornalista não fez o trabalho de casa
", escreve Victor Alves Gomes.

Como o rigor é importante, à semelhança da ironia, é preciso esclarecer o seguinte:
1 – O “sr. jornalista” é uma senhora jornalista. E é mais exactamente Francisca Gorjão Henriques.
2 – A data exacta da publicação é 09/04/2006 (e não 10/04/2006).
3 – A jornalista não fez “uma tradução literal” do artigo da BBC, recorreu à BBC e à revista norte-americana Foreign Affairs.
4 – A jornalista do PÚBLICO cometeu, apesar de tudo, alguns erros.

Reproduziu literalmente, por exemplo, o título da BBC (“Como os EUA perderam a América Latina...” – “How the US ‘lost’ Latin America”).

Solicitei um esclarecimento a Francisca Gorjão Henriques.

“O título baseia-se numa citação do analista que escreveu o artigo da BBC, devidamente identificada no meu texto. Como tal, considerei, assim como a minha editora, que a sua autoria ficava atribuída para quem lesse o conteúdo (o que duvido que o leitor tenha feito). O próprio título da BBC poderá ser inspirado no de outro artigo (que também vem citado amplamente no meu texto, mas não no da BBC) escrito por Peter Hakim para a Foreign Affairs de Janeiro-Fevereiro: ‘Is Washington losing Latin America?’.
Ao contrário do que diz o leitor, as referências ao artigo da BBC on-line estão sempre identificadas e devidamente citadas, ou seja, dentro de aspas. Só posso concluir que, ou o leitor não leu o artigo, ou está de má-fé. O meu texto baseou-se claramente no confronto dos pontos de vista de dois analistas, que foram sempre identificados e citados, do princípio ao fim”, explicou a jornalista.

A argumentação da jornalista não parece aceitável.

O título copiado é da BBC e o primeiro parágrafo do artigo está relacionado com a Foreign Affairs.

Francisca Gorjão Henriques não pode dizer “considerei” que a autoria do título “ficava atribuída para quem lesse o artigo”. Isso não é rigor, é feeling. É um sentimento, não é um critério jornalístico.

A jornalista também não tem razão quando refere que “o próprio título da BBC poderá ser inspirado no de outro artigo”. “Inspirado” é uma coisa (perfeitamente válida), “copiado” é outra. É uma opção incorrecta.
O argumento não colhe, portanto.


O provedor retém a seguinte afirmação da jornalista: “Ao contrário do que diz o leitor, as referências ao artigo da BBC on-line estão sempre identificadas e devidamente citadas, ou seja, dentro de aspas.”
O leitor pode não ter razão, mas a jornalista reproduziu, por exemplo, um parágrafo inteiro da revista “Foreign Affairs” sem colocar uma única aspa e sem mencionar a autoria do texto.

PÚBLICO: “Os Estados Unidos têm ainda assim um mercado considerável na região, com as exportações americanas a atingirem mais de 150 mil milhões de dólares por ano – quase tanto como o que exporta para a União Europeia.”

FOREIGN AFFAIRS: “The United States still has a big market in Latin America, with U.S. exports to the region valued at more than $150 billion a year, almost as much as the value of its exports to the European Union.”

O provedor considera que Francisca Gorjão Henriques assumiu indevidamente a autoria de parcelas de texto.

Eis a explicação da jornalista:
“Todo o meu artigo é construído à volta das duas análises, e apenas duas, sendo isso bastante claro ao longo do texto. Considero que a informação que estou a dar é atribuída ao autor do artigo da Foreign Affairs, Peter Hakim, já que a frase que lhe segue é claramente uma citação, bem identificada como tal: ‘Dois terços deste montante...’ Realço aqui a expressão ‘deste’, porque nos remete para a informação que a antecede. Mudei algumas palavras à frase de Hakim, ainda que poucas, já que se trata de uma informação factual e não de carácter opinativo, e por isso não coloquei as aspas nessa frase – que é antecedida por uma citação e seguida da conclusão de Hakim, que, repito, estão entre aspas. Julgo que não levanta quaisquer dúvidas sobre o facto de se tratar ainda de uma referência ao artigo da Foreign Affairs e que não reclama para mim a sua autoria.”

O que é claro para Francisca Gorjão Henriques não é necessariamente óbvio para os leitores.

O provedor defende que o texto reproduzido pela jornalista do PÚBLICO devia estar entre aspas e indicar a fonte.

A única alteração introduzida (substituiu “Latin America” por “região”) é irrelevante e não pode servir de justificação para omitir as aspas e a paternidade do texto.

Fica, designadamente, por explicar o facto de a jornalista ter sistematicamente citado as fontes e não o ter feito neste caso. O provedor não entende…

Para além das maiores ou menores responsabilidades individuais de Francisca Gorjão Henriques, há constrangimentos relacionados com a produção do jornal e em particular com os procedimentos em vigor no PÚBLICO que podem influenciar decisivamente a produção deste tipo de erros.

Por limitações de espaço, o provedor só desenvolverá o tema na sua próxima crónica depois de analisar um segundo texto posto em causa. ■

Boa tarde, sr. Provedor

Não esperava tão cedo voltar ao seu contacto, mas três ou quatro temas do Público a isso me "obrigam".

Desde já agradeço a sua paciência.

1º Tema

Ontem, dia 23, o Director do Público, José Manuel Fernandes, publicou um editorial intitulado "Agências de Comunicação".

Tendo como pano de fundo o livro de Manuel Maria Carrilho, José Manuel Fernandes explica que no "nosso" jornal existe o chamado "livro de estilo" que regula e orienta a actividade dos jornalistas que aí trabalham.

No entanto, e face ao parágrafo por ele assinado "São seres humanos que, nas suas relações profissionais, para actuarem de forma civilizada e responsável , se devem comprometer publicamente com certos códigos de comportamento", gostaria de saber, já que José Manuel Fernandes o não
faz, quais são os mecanismos, internos ou externos, que analisam o comportamento dos jornalistas do público, que, como muito bem foca JMF, são seres humanos sujeitos a erro.

E no caso de ser detectado qualquer comportamento que não caiba no "livro de estilo" do Público, caso existam mecanismos para isso, o que sucede ?

2º Tema

Ainda relativamente a JMF e ao seu editorial, transcrevo: "Apesar do que aí se escreve não merecer mais comentários...".

Não achei muito bem este silêncio do director do "nosso" jornal, pela razão que irei relatar no 3º tema, mas entendi que estava no seu direito.

Porém, qual não foi a minha surpresa quando hoje, ao folhear o Público, me deparo, na página 4, com uma "Carta ao Director" intitulada "Manuel Maria Carrilho no Prós e Contras da RTP", na qual um leitor desfere um feroz ataque a Manuel Maria Carrilho.

Sinceramente, a ideia com que fiquei foi a de que José Manuel Fernandes utilizou aquilo que é ilustrado pela frase: atirou a pedra e escondeu a mão.

Ontem, no seu direito, ignora o livro de Carrilho, as críticas que aí lhe são feitas bem como ao "nosso" jornal, e hoje decide publicar uma carta, a si dirigida, com um feroz ataque a Carrilho.

Para manter este texto num certo tom, direi, no mínimo, que revela, da parte de JMF, um comportamento deselegante.

3º Tema

Para além dos ataques pessoais feitos por Carrilho ao director do Público e a alguns dos seus jornalistas, que cada um interpreta como muito bem entende, existe, no entanto, uma frase no livro que, no meu entender, merecia algum tipo de clarificação: " Vale a pena acrescentar
que este jornalista (João Paulo Henriques) fez inúmeras peças sobre acções da minha campanha sem, sequer, as ter acompanhado" (pág.161).
Esta acusação é grave, e facilmente desmontável. Agora os silêncios do Director e do Jornalista do Público é que não me parecem muito adequados.
Afinal Carrilho tem ou não razão no que afirma?
Se não tem razão é um mentiroso, que tem que ser desmascarado publicamente, mas sem tem razão gostaria de saber onde se aplica, neste caso o "livro de estilo".

4º Tema
"O PÚBLICO ERROU"
Gostaria que o "nosso" jornal assumisse uma publicitação mais clara quando erra. Ainda hoje, a admissão do erro foi relegada para o canto inferior direito de uma página par (a quarta), o que o meu caro provedor e eu sabemos, é o local de menor leitura de qualquer jornal.
Já agora, seria pedir demasiado que ao admitir o erro nos fosse explicado, minimamente, as causas que levaram a esse mesmo erro ?
É que uma coisa é admitir o erro, outra é reconhecer e explicar a razão do erro.
Não vou sugerir que se publique também o nome dos responsáveis pelos erros, mas que tal facto podia contribuir para um maior rigor dos jornalistas, estou em crer que sim. Afinal ninguém gosta de ver o seu nome ligado a algo menos bem executado.

Para finalizar, gostaria de saber se tem qualquer tipo de objecção a que esta "nossa correspondência" seja reproduzida no meu blog.

Se tiver qualquer razão contra, posso afirmar-lhe, sob palavra de
honra, que tudo o que aqui for "trocado" permanecerá estritamente no plano pessoal.

Melhores cumprimentos

Fernando Gonçalves

O provedor do leitor pediu um esclarecimento a José Manuel Fernandes.
Eis as respostas do director do PÚBLICO:

1º Tema

O Livro de Estilo estabelece as regras. A estrutura hierárquica deve vigiar pelo seu cumprimento. Todos os dias há uma reunião de editores onde se analisa o jornal da véspera e este é criticado, sendo aí muitas vezes detectados os erros. Existe uma secção designada “Público erro” para dar conta dos erros. O Provedor, que actua com total independência, pode ser chamado a pronunciar-se pelos leitores ou entender ele mesmo tomar posição. O Conselho de Redacção reúne com alguma regularidade e discute muitas vezes temas que derivam do incumprimento do Livro de Estilo (cuja recente revisão, de resto, integrou sugestões dos diversos provedores do leitor e de deliberações do Conselho de Redacção. Finalmente existe um mecanismo de avaliação individual de desempenho, associado a uma parte da remuneração variável anual, onde se pode regressar a estas questões quando isso se justifica.



2º Tema

Já li o livro de Manuel Maria Carrilho e entendi que não devia escrever sobre ele. Ao contrário da esmagadora maioria dos jornalistas e comentadores, nunca apreciei MMC e não considero sequer que tenha sido um bom ministro da Cultura, pelo contrário. O livro deixou-me tão incomodado com o que revela sobre o seu autor que teria de escrever coisas que prefiro não escrever.

Sobre as críticas que faz ao PÚBLICO são, na sua maioria, pontuais e dispersas. Discutimos internamente se devíamos regressar a elas, defendendo-nos ou dando-lhe razão. Houve opiniões divergentes, mas prevaleceu a de que não o devíamos fazer. Até porque no caso em que considerámos ter agido mal, assumimos no dia seguinte a falta e corrigimos o erro. A saber: termos apresentado primeiro apenas uma crónica sobre a apresentação do seu programa para Lisboa. No dia seguinte detalhámos as suas propostas.

Quanto à carta, para além de pessoalmente não ler todas as cartas que me são enviadas, estando essa competência delegada numa adjunta da direcção, elas reflectiram diferentes pontos de vista (como, de resto, as colunas de opinião do jornal). Não atirei pois qualquer pedra, tal como não protegi o livro de qualquer pedra. Aí foram as opiniões que recebemos (sendo que nem todas foram publicadas, tendo ficado de fora sobretudo outras cartas contra Carrilho) que fizeram o seu caminho.



3º Tema

Numa campanha eleitoral o jornalista acompanha o candidato o mais que pode, mas há sempre um momento em que tem de vir escrever a sua peça enquanto a campanha continua. Nessa altura pode completar a informação sobre as acções em que não pode estar fisicamente presente recorrendo quer ao noticiário da Lusa, quer ao que é possível seguir nos meios audiovisuais, quer ainda telefonando para colegas que continuaram no terreno. São contingências da imprensa escrita onde não há o “directo” radiofónico ou televisivo. Aquilo que seria grave é ter relatado acções de campanha que não acompanhou fazendo-o de forma deturpada, algo que Carrilho não demonstra.



4º Tema

A secção “O Público errou” é editada no mesmo local desde que o jornal foi fundado: na página das Cartas ao Director. Trata-se de uma das páginas mais lidas pois inclui também o Editorial e o Bartoon. E a secção, mesmo vindo no tal canto inferior, tem destaque gráfico e temos indicações que é bastante lida.

Quando os erros são mais graves, temos publicado correcções nas secções ou mesmo na primeira página.

Quanto à sugestão de citar o nome dos autores dos erros, tê-la-ei em consideração e pô-la-ei à discussão na minha equipa e na redacção.


José Manuel Fernandes

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Source:
http://news.bbc.co.uk/1/hi/help/3281849.stm

RESPOSTA DO PROVEDOR
A "copyright Notice" é relevante para... a BBC.
Para o provedor é uma questão lateral. O problema era e continua a ser ético: a apropriação indevida de textos alheios.
Rui Araújo
Provedor do Leitor do PÚBLICO

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  • O blogue do Provedor do Leitor do PÚBLICO foi criado para facilitar a expressão dos sentimentos e das opiniões dos leitores sobre o PÚBLICO e para alargar as formas de contacto com o Provedor.

    Este blogue não pretende substituir as cartas e os e-mails que constituem a base do trabalho do Provedor e que permitem um contacto mais pessoal, mas sim constituir um espaço de debate, aberto aos leitores. À Direcção do PÚBLICO e aos seus jornalistas em torno das questões levantadas pelo Provedor.

    Serão, aqui, publicados semanalmente os textos do Provedor do Leitor do PÚBLICO e espera-se que eles suscitem reacções. O Provedor não se pode comprometer a responder a todos os comentários nem a arbitrar todas as discussões que aqui tiverem lugar. Mas ele seguirá atentamente tudo o que for aqui publicado.

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