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domingo, abril 30, 2006 

UMA NO CRAVO, OUTRA NA ROTINA...

Alguns leitores questionaram a ausência de referências à Revolução dos Cravos na primeira página do jornal de 25 de Abril.

Na minha simples ignorância de quem já nasceu em liberdade, sugeria apenas que num feriado nacional como o 25 de Abril, o PÚBLICO efectivamente o mencionasse na capa. Assim se começa a perder a importância das memórias. Fiquei extremamente desiludida com o meu jornal de referência, escreve Mariana Cardoso.

Crítica, desabafo, desagrado, desencanto, ou o que se queira. Cá em casa fomos vários a procurar na primeira página do PÚBLICO (ainda é com caixa alta?) de 25 de Abril qualquer referência à comemoração do dia, mas o que se descobriu de mais aproximado foi a “orelha” de publicidade aos “cêdês” do Mário Viegas. De resto era preciso “dar ao dedo” pelo jornal adiante (editorial incluído!), para, finalmente, encontrar alguma coisa sobre o que se procurava.
O que mais lamento é que um jornal que me entra em casa todos os dias desde que existe e onde os meus filhos aprenderam a ler muito daquilo que ia e vai para além da escola não tenha querido partilhar com eles, que são novos e precisados, um momento da nossa História recente que foi sobretudo um desejo de haver futuro
, lamenta-se o leitor António Santos de Espinho.

Ao comprar PÚBLICO abri o jornal, rebusquei toda a 1.ª página, procurei nos títulos mais pequeninos, e nem quis acreditar: não continha uma única referência ao 25 de Abril de 1974! Só lá para o meio, enésima página, se falava do 25 de Abril e a propósito das eleições! Daqui a uns anitos, o PÚBLICO noticia o 25 de Abril na antepenúltima página, com os aniversários dos colunáveis e “socialites” todos. Uma VERGONHA!
A ausência de qualquer referência ao 25 de Abril (na 1.ª página) é tanto mais incompreensível quanto puxam para a mesma, com máximo destaque, um aniversário que só aconteceria no dia seguinte. Como sabe, Tchernobil deu-se na madrugada de 26 de Abril, efeméride que, de resto, muitos outros jornais referem na 1.ª página de 26 de Abril. Eu também comprei a edição de 24 de Abril e não vi comemorar nela o 25 de Abril,
acrescenta Fernando Oliveira, outro leitor da Senhora da Hora.

Pedi um esclarecimento a José Manuel Fernandes, director do PÚBLICO.

“A opção de dar este ano mais destaque a Tchernobil do que temos dado nos últimos anos derivou de ser um aniversário ‘redondo’ (20 anos) e de o debate em torno da energia nuclear ter regressado à actualidade. Antecipámos um dia a data exacta do aniversário por duas razões: primeiro, porque sendo um trabalho longo, achámos que se adequava bem a um dia feriado, em que os leitores têm mais disponibilidade para ler; depois porque entendemos que no dia 26 de Abril o destaque do jornal tinha obrigatoriamente de ser o primeiro discurso nessa data do novo Presidente, o qual estava a suscitar muita expectativa.
“Quando ao 25 de Abril, sei que preparámos sempre edições especiais nos anos em que o aniversário era ‘redondo’ (20, 25 e 30 anos) e, nos outros, assinalámos a data de outras formas, procurando por regra fugir à rotina.
“Este ano tivemos a ideia de realizar os trabalhos que preenchem quatro páginas, que são interessantes mas nem sequer se centram no 25 de Abril de 1974, mas em eventos que ocorreram depois (primeiras eleições legislativas e julgamento dos pides). São informativos, mas não tinham o impacte dos trabalhos que fizemos nos aniversários ‘redondos’ ou mesmo do trabalho sobre Tchernobil.
“Esta opção editorial permitiu-nos dar grande destaque a ambos os assuntos em duas primeiras páginas consecutivas, não tendo sido obrigados a ‘dividir’ a primeira página de dia 26 pelos dois temas, como sucedeu com o DN e o JN.
“Um diário combina actualidade com reflexão e aprofundamento das notícias (investigações, dossiers, reportagens especiais) e julgo que o equilíbrio entre as duas edições está correcto.
“Não aprecio o termo ‘ignorar’, pois não julgo correcto quando falamos das escolhas para uma primeira página: implica que dando ela destaque a seis, dez temas de uma edição, ‘ignora’ todos os restantes 100 a 120 (números médios). Para a primeira página fazem-se escolhas a partir de uma lista vasta de propostas dos editores (que também eles realizam escolhas antes). Todos os dias há temas que deviam, ou poderiam, estar na primeira página e ficam de fora. Por isso a escolha da primeira página de dia 25 decorre da escolha de conjunto feita para os dias 25 e 26 relativas à forma como devíamos, este ano, tratar dois aniversários que quase coincidem.
“Colocar uma chamada sobre o 25 de Abril apenas ‘porque é suposto ter sempre uma chamada sobre o 25 de Abril’ implicava deixar outras de fora. Pode-se discutir se alguma das outras (todas notícias do dia, mais uma efeméride ‘redonda’) era menos importante, como se pode discutir todos os dias e por regra fazemos muitas vezes nas reuniões de editores. Mas não se deve discutir se o jornal tem de fazer sempre uma espécie de ‘declaração política’ na primeira página cada vez que passa mais um aniversário do 25 de Abril”, responde o director.

É a explicação de José Manuel Fernandes.

O provedor considera que o critério editorial de “fugir à rotina” é... inovador. Mas ficamos sem saber se devemos ou não felicitar-nos pelo facto de os capitães de Abril terem, também eles, fugido “à rotina”.
A TV, a rádio e os jornais nacionais regem-se cada vez mais por critérios de proximidade (é o polémico mandamento do “quilómetro sentimental” – um morto, cá, é notícia; mil mortos, na China, também é notícia e – parafraseando um jornalista nova-iorquino – “no Chile não acontece nada, nunca”).

O PÚBLICO, ao escolher dar honras de primeira página a Tchernobil no 25 de Abril, optou, decididamente, por fazer jus à vocação universal de Portugal e dos portugueses.
É uma opção legítima e perfeitamente compreensível nos dias que correm...

Concordo com José Manuel Fernandes pois, seguindo o raciocínio dos leitores em questão, todas as capas do 25 de Abril seriam iguais, o que seria até diminuidor para a própria data. Um jornal é feito de notícias e não é uma enciclopédia. Pode servir como documento histórico, mas não é, por defeito, uma enciclopédia.

Para mim, é óbvio que a "explicação" do Director não colhe.
A interpretação de um facto, ensinaram-me há muito tempo, deve ter em consideração as circunstâncias em que ele se produz.
Ora, a orientação direitista que JMF tem vindo a imprimir ao jornal aponta para que o destaque dado aos 2o anos de Tchernobyl e a ausência de referências na 1ª págino ao 25 de Abril seja apenas uma "provocação", muito ao jeito de quem se recusa, por exemplo, 3 anos e várias dezenas de mortos depois, a reconhecer o mal fundado do criminoso ataque ao Iraque.

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

Nasci um dia depois do 25 de Abril e oito anos depois. Não sei o que é viver numa ditadura. Mas sei o que foi o 25 de Abril. Sei pormenores da revolução. Já vi e ouvi copias dos comunicados do MFA. Sei um pouco do que se passou depois até ao 25 de Novembro, algo que não foi muito agradável e talvez por isso não se fale muito. Será compreensível? Não sei. Mas como me estou a desviar do tema fico por aqui nestas considerações.
O PÚBLICO não fez uma chamada de primeira página para o 25 de Abril. A mim pessoalmente não me fez grande diferença, mas acredito que não ficaria mal nem que fosse uma pequena chamada. È uma data que começa a ganhar apenas o significado de ser “feriado”. No entanto foi uma opção do jornal. Acho é um pouco a despropósito comentários que indicam que a não referência se deve a orientações politicas de direita do director do jornal. Que eu saiba o 25 de Abril foi um movimento organizado pelo MFA (Movimento das Forças Armadas) não foi nem por um partido de esquerda, nem por um partido do centro-direita. Estou errado?

Creio que pelo trabalho que o provedor do Jornal PÚBLICO está a fazer, dando voz à indignação dos leitores, para o ano a capa do jornal terá referências ao 25 de Abril. Espero também que a liberdade e a democracia sejam lembradas se não todos os dias pelo menos no dia 25 de Abril pelos governantes deste país, para que não sejam tão “pidescos” com tanta ideia de controlo. {cruzamento de dados informáticas, vídeo vigilância nas auto-estradas com possibilidade de multa, mais as escutas do ministério público, etc…}

[Peço desculpa por este longo desabafo]

Nao entendi que fosse uma provocação, mas apenas uma diferenciação entre conteúdos distintos. Um jornal não está aí para provocar ninguém no sentido de ser uma coisa gratuita.

Aceito o critério do Director do Público. Mais: compreendo-o e, francamente, subscrevo-o.

Já as reticências do Provedor me incomodam. Critério "estranho..."? O que é isso? Como Provedor, deve ter firmeza de análise e clareza de discurso. Os leitores não têm sempre razão, o meio não tem sempre razão, ao Provedor cabe analisar e dar respostas ponderadas (e não, como aqui disse um comentador, servir de caixa de ressonância das queixas dos leitores, havendo outros meios para essa finalidade).

As reticências escondem que Rui Araújo preferia ver o Público dar mais destaque ao 25 de Abril mas não teve coragem de o assumir claramente. É assim que as leio.

Como disse aqui marcelo paes, um jornal é feito de notícias e não é uma enciclopédia. A razão das datas redondas é totalmente plausível.

Achando, também eu, que José Manuel Fernandes às vezes parece ter orientação direitista (que de resto não critico pois prefiro que os jornais tenham partido do que finjam hipocritamente a isenção que, está na cara de tantos, não têm), acho que nesta matéria não se tratou de nada disso. Sou das pessoas gratas à revolução (e das que fala em revolução e não em golpe) e não celebro a data há décadas. Merece o mesmo tratamento que as demais efemérides: passados os primeiros anos, é evocada apenas quando há falta de assunto ou nas datas redondas.

Caro leitor,
Interpretou erradamente as minhas palavras quando afirma: "As reticências escondem que Rui Araújo preferia ver o Público dar mais destaque ao 25 de Abril mas não teve coragem de o assumir claramente. É assim que as leio."
O provedor considera que a justificação do director do Público ("fugir à rotina") é inconsistente porquanto traduz um critério editorial inédito, mas sobretudo peculiar. É isso que está em causa.
Não é a opção mercantilista do "dá-lhes o que eles querem" adoptada pelas televisões - o Livro de Estilo da RTP, por exemplo, define a notícia como "uma novidade interessante" (sic)- e por alguns jornais portugueses, mas há fronteiras que é importante não ultrapassar.
O provedor pensa que o 25 de Abril
podia não ser tema de primeira página.

Caro Rui Araújo, estava então eu enganado na minha apreciação das suas reticências. Se "fugir à rotina" não é imprimível num livro de estilo (dada a, erm, falta de estilo da expressão), percebo porém a atitude de JMF e aceito a forma, digamos, jovial como ele respondeu. De acordo com as fronteiras, não acho -- de todo -- que tenham sido pisadas, sequer, neste caso.

Obrigado por ter escrito o que pensava sobre o 25 de Abril ser ou não tema de primeira página.

Marcelo Paes: Não vejo porque é que uma referência a um acontecimento histórico repetida anualmente faria de todas as capas desse dia iguais.As capas do 1º dia do ano ou da véspera do Natal são todas iguais?
Já agora, "por defeito" em português não quer dizer nada.

Anonymous: O que quis dizer é que sou contra a fixação ou "obrigatoriedade" de um assunto ser capa, mesmo quando há outras alternativas de maior relevência. Não questiono a capacidade do Público, e de qualquer outro jornal, de tratar o assunto com criatividade na primeira página.
Em relação à observação do "por defeito", a expressão é reconhecida pelo Dicionário da Lingua Portuguesa Contemporânea da Academia de Ciências/Verbo. Em outras línguas românicas, como o francês e o espanhol, existe a mesma expressão (par défaut e por defecto).

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