ANATOMIA DE UMA EDIÇÃO
Um leitor de Chaves dissecou o PÚBLICO e escreveu ao provedor a dar conta dos seus reparos e dúvidas. Optei por dividir a extensa mensagem electrónica de J. B. César em oito partes por uma questão de facilidade de leitura.
Se achar pertinente, gostava que se debruçasse sobre os critérios gráficos e editoriais que foram usados em alguns dos títulos da edição do PÚBLICO de 16 de Abril de 2006, que passo a reproduzir:
“A sombra de Paulo Portas” (pág. 14) – A falta de submissão do termo “sombra”, por aspas ou itálico, a qualquer sentido figurado, pode induzir o leitor a deduzir que o jornal vê na sombra produzida pelo político algo de especial que mereça ser noticiado.
Pedi um esclarecimento a José Manuel Fernandes, director do PÚBLICO.
“A palavra ‘sombra’ não é utilizada apenas no sentido literal de alguém que tira a luz. A palavra possui também um sentido figurativo bem conhecido, consagrado nos dicionários, pelo que se dispensa a utilização de aspas.”
Só por preciosismo linguístico se pode contestar a formulação adoptada pelo jornal. “Sombra” também significa (Dicionário de Português – 4ª Edição – Porto Editora) “espírito” e “fantasma” ou, por outras palavras, infl uência ou presença ilusória.
O PÚBLICO não errou.
“Contra a guerra nas estradas” (pág. 14) – O mesmo acontece aqui. Que se saiba, não ocorre nenhuma guerra civil nas estradas; Não deveria ter sido usado, na “sombra” e na “guerra civil”, o critério usado no título “Xiitas do Iraque deixam ‘cair’ Jaafari”?;
O director responde: “O segundo ponto levanta mais dúvidas e situa-se numa zona de fronteira. Se o termo fosse do jornal, parece-me claro que se devia ter utilizado aspas. Como é o título de uma coluna dedicada a uma organização da sociedade civil que utiliza essa imagem quase como lema identificativo, tenho dúvidas se colocar as aspas não poderia produzir o efeito de diminuir, ou mesmo apoucar, os objectivos prosseguidos por essa ONG, o que seria desagradável.”
Trata-se de outro preciosismo, louvável porque só revela a minúcia com que muitos leitores lêem o PÚBLICO, mas ainda assim é um preciosismo.
O PÚBLICO não errou.
“‘Oportunidade’ para Braga” (pág. 23) – Trata-se mesmo de uma oportunidade efectiva para o Hospital de S. Marcos, esta é no sentido figurado a que as aspas induzem ou trata-se de uma citação? Lendo o texto, pode concluir-se que será uma citação. Mas, em qualquer caso, irrelevante. Ao ponto de, no título, não se associar a nenhuma fonte...
Eis a resposta do director: “No caso da ‘oportunidade’, sendo uma citação, o Livro de Estilo recomenda que se utilizem aspas. As limitações habituais de espaço na feitura de um título poderão justificar a não atribuição directa da citação, mas o próprio leitor a encontrou depois no texto. O título não será perfeito, mas julgo que se enquadra em códigos de leitura que, de uma forma geral, porque uniformes, são compreendidos pelos leitores.”
A explicação é aceitável.
O título é infeliz, mas a citação da declaração de Lino Mesquita Machado, presidente do conselho de administração do Hospital de S. Marcos (Braga), não é irrelevante.
O leitor só parcialmente tem razão.
“Pentágono já fez ‘jogos de guerra’ para invasão do Irão” (pág. 16) – Neste caso, ainda que as aspas não sejam despicientes de todo, não chocaria se não fossem usadas – afinal, segundo a notícia, os militares norte-americanos e britânicos realizaram mesmo umas guerras a fazer de conta, ainda que com o real fito, sempre presente, de nos defenderem dos maus;
O director do jornal discorda do leitor: “A expressão ‘jogos de guerra’ é genericamente usada entre aspas, no PÚBLICO como na maior parte dos jornais de referência internacionais, com excepção dos anglo-saxónicos, que têm códigos de titulação mais secos e directos.”
Ficamos, portanto, a saber que de um modo geral os países e as culturas latinas recuam perante a expansão anglo-saxónica, mas o PÚBLICO, pelo menos, não baixa os braços neste combate e assume a sua latinidade como o general (Cambronne?) de Napoleão em Waterloo: “A Guarda está a morrer, mas não se rende”…
“Quase 50 mortos no Afeganistão numa ofensiva contra os taliban” (pág. 18) – Para quê anunciar-se “quase 50 mortos” se no texto se esclarece que foram 47? E por que “taliban” se grafa – no título e no texto – sem aspas ou sem itálico e para “mullah” [Omar] já houve necessidade de se usar o itálico?
José Manuel Fernandes contesta a argumentação do leitor: “Só uma pequena precisão: o Livro de Estilo grafa taliban sem aspas e sem itálico e mullah em itálico. Contudo, antes da mudança de sistema informático era muito difícil colocar os itálicos, que exigiam uma revisão peça a peça complexa. O novo sistema já permite optar por itálicos para termos estrangeiros, e essa é a regra, mas a colocação entre aspas correspondia à fórmula antiga e às vezes alguns jornalistas ainda a utilizam por hábito (o Livro de Estilo mudou a regra há um ano e os hábitos, por vezes, levam mais tempo a mudar...). Mas o essencial está correcto, de acordo com o glossário adoptado, que admito ser discutível mas que procurou sobretudo uniformizar grafias em termos que a imprensa portuguesa grafa de forma muito distinta.
Se a palavra não estiver vertida já no Livro de Estilo, a regra é grafá-la em itálico, pois considera-se que não é uma palavra portuguesa ou já aportuguesada.
A explicação do director é aceitável no que diz respeito à grafia.
Em relação aos “quase 50 mortos”, o leitor tem razão. O próprio texto indica que morreram 47 homens no decorrer da ofensiva. O rigor é importante mesmo se os três (felizmente não) mortos não são pessoas próximas do autor da notícia…
“Protesto violento de polícias em Gaza contra governo do Hamas” (pág. 17) – O protesto foi contra o “governo do Hamas” ou contra o governo da Palestina? Ou será que o Hamas é governado por um governo e o protesto, “violento”, visava essa instância que governa o Hamas? E o tal protesto foi, realmente, violento? Pode noticiar-se como “protesto violento” o facto de perto de 50 guardas armados entrarem num edifício público e dispararem para o ar (...), numa região em que em qualquer manifestação ou funeral se vê gente a disparar para o ar? Não haverá no título (e no texto) alguma da influência ideológica que os “jogos de guerra” sempre acabam por irradiar?
O director discorda: “Terá de se escrever sempre Governo da França e não Governo Villepin? Governo italiano e não Governo Berlusconi? Governo britânico e não Governo trabalhista? O Governo é da Palestina e é formado pelo Hamas, ambas as formulações são certas. Ter sublinhado que era do Hamas era significativo, pois tratou-se de um protesto de polícias, agentes desse Governo mas aparentemente fiéis ao Governo anterior. Já a classificação como violento é relativa, mas sendo polícias não me parece despropositada.”
O leitor J. B. César fez uma das duas leituras possíveis. É verdade que o facto de se mencionar o governo de um partido (caso do MPLA, por exemplo, em Angola) significa, por vezes, que o partido em causa detém o poder sem a sanção eleitoral, mas, por outro lado, é usual os jornalistas recorrerem à expressão “o Governo PS” ou “o Governo Berlusconi” mesmo quando uns e o outro foram legitimados pelas urnas.
Quanto ao “protesto violento”, o leitor tem razão. O próprio provedor já assistiu a um casamento no Sul da Índia com rajadas de AK-47 (Kalashnikov). Ao que apurei na altura, os disparos para o ar eram uma manifestação de influência portuguesa…
“Operação Páscoa já fez dois mortos e 15 feridos” (pág. 25) – Grande marota essa Operação Páscoa! Fazer dois mortos e provocar 15 feridos é terrível! Vamos já ao texto ver quem é o maligno autor da mortífera “operação”! Mas... Poderá lá ser!? O texto da notícia informa-nos que a “Operação Páscoa 2006 [está a ser] levada a cabo pela Brigada de Trânsito da GNR de todo o país”! E, então, será que foi essa operação, a realizada pela GNR, que, conforme diz o título, fez os dois mortos e os 15 feridos? Não. Claro que não foi. Mas, então, por que é que é exactamente isso que nos diz o título da notícia?
José Manuel Fernandes responde: “Toda a razão quanto ao título, manifestamente infeliz.”
Nada a acrescentar.
“Região Norte cria cluster na área médica e farmacêutica” (pág. 42) – Da leitura deste título apenas fico a saber que, contra o que eu imaginava, existe uma “Região Norte” que cria coisas, e que tanto a médica como a farmacêutica possuem uma área, que se deduz comum. Apenas não consigo imaginar o que será o tal “cluster” criado pela “Região Norte”. Por ser grafado sem aspas e sem itálico, é porque se tratará de um termo genuinamente português. E tão genuíno e enraizado na linguagem nativa que seria até ofensivo para a sua popularidade qualquer tentativa de explicação do seu significado pela generalidade dos dicionários de Língua Portuguesa existentes no mercado, que, por isso, se dispensaram fazê-lo. Mas como poderá haver neste nosso tão ilustrado país outros ignorantes que, como eu, apenas possuem os comuns dicionários de Língua Portuguesa para se defenderem das dúvidas que a língua (é a portuguesa, ainda, não é?) por vezes lhes apresentam, agradecia que explicasse o que é, afinal, o “cluster” anunciado no título e para o qual o texto não dá significado. E, aproveitando, que explicasse também o que significa o “know-how” que, embora em itálico, também trunca o entendimento do dito texto aos iletrados leitores que apenas falam português e, por isso, se limitam a ler a imprensa portuguesa. E, se não for maçada, também gostaria que a jornalista, ou por ela o seu editor, informasse o que é a “Região Norte” a que se reporta no título e sobre a qual a peça também não dá detalhes. É que desconheço quando foi criada, se a sua acção administrativa se estende até Vimioso ou se confina ao Porto, se foi eleita ou nomeada, etc. E, já agora, que esclarecesse se quando escreveu “na área” não quereria dizer “nas áreas”. Embora desejasse não ser “pesado”, não posso deixar de perguntar, ainda, por que é que o “porta-aviões” do título da caixa do texto não se grafou entre aspas e, finalmente, por que é que, nesse mesmo título “Bial” foi grafado com todas as letras em maiúscula, ao contrário do que acontece no corpo da notícia e tal como em uso pela própria empresa.
O director explica:
“a) existe realmente uma Região Norte, mas apenas uma região de planeamento sob a alçada da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN). Não é uma região administrativa (o povo chumbou a regionalização em referendo), mas tem uma existência idêntica, ou mesmo mais forte, no que diz respeito à organização do Estado que um distrito e,
seguramente, que uma província. Tratando-se de um projecto da CCDRN parece-me correcto referir-se a área de intervenção como Região Norte.
b) O termo cluster não consta do Livro de Estilo, por isso não temos uma regra adoptada. Trata-se de um termo económico muito vulgarizado, um claro anglicismo, mas que pode vir a ter o mesmo destino de outros termos, como marketing, por exemplo, que ninguém grafa em itálico ou entre aspas.
Aceito contudo que a sua utilização, sobretudo num título, mesmo que na secção de economia, seja discutível.
c) O tema dos anglicismos ou dos termos de origem anglo-saxónica adoptados pelo português daria um tratado. O leitor adopta a atitude conservadora, por vezes exagera-se numa espécie de “novo-riquismo” onde só parece ficar bem utilizar termos ingleses a torto e a direito. A virtude estará a meio termo. No caso do texto em causa, lendo-o todo, julgo que não se exagera: bem sei que know-how é o mesmo que “saber fazer” em termos literais, mas que também não é exactamente o mesmo no sentido económico do termo.
d) O leitor ironiza por existir uma “área” médica e farmacêutica. Teria razão se nos títulos não se tivesse de ser conciso e se pudesse, em alternativa, escrever, por exemplo, “Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte cria iniciativa para estimular áreas de excelência nas indústrias farmacêuticas ou ligadas à medicina”. Ou seja, se o título pudesse ter 161 caracteres em lugar de 50. Faz alguma diferença em espaço necessário, mas julgo que não no sentido da notícia, que não é deturpado pelo título.”
O director tem e não tem razão. “Cluster” não diz nada a 99 por cento da população e um título deve ser claro, explícito e informativo.
Ao utilizar a palavra “cluster”, o PÚBLICO parece dirigir-se a leitores anglo-saxónicos e não portugueses, de cuja latinidade ninguém duvida…
Se achar pertinente, gostava que se debruçasse sobre os critérios gráficos e editoriais que foram usados em alguns dos títulos da edição do PÚBLICO de 16 de Abril de 2006, que passo a reproduzir:
“A sombra de Paulo Portas” (pág. 14) – A falta de submissão do termo “sombra”, por aspas ou itálico, a qualquer sentido figurado, pode induzir o leitor a deduzir que o jornal vê na sombra produzida pelo político algo de especial que mereça ser noticiado.
Pedi um esclarecimento a José Manuel Fernandes, director do PÚBLICO.
“A palavra ‘sombra’ não é utilizada apenas no sentido literal de alguém que tira a luz. A palavra possui também um sentido figurativo bem conhecido, consagrado nos dicionários, pelo que se dispensa a utilização de aspas.”
Só por preciosismo linguístico se pode contestar a formulação adoptada pelo jornal. “Sombra” também significa (Dicionário de Português – 4ª Edição – Porto Editora) “espírito” e “fantasma” ou, por outras palavras, infl uência ou presença ilusória.
O PÚBLICO não errou.
“Contra a guerra nas estradas” (pág. 14) – O mesmo acontece aqui. Que se saiba, não ocorre nenhuma guerra civil nas estradas; Não deveria ter sido usado, na “sombra” e na “guerra civil”, o critério usado no título “Xiitas do Iraque deixam ‘cair’ Jaafari”?;
O director responde: “O segundo ponto levanta mais dúvidas e situa-se numa zona de fronteira. Se o termo fosse do jornal, parece-me claro que se devia ter utilizado aspas. Como é o título de uma coluna dedicada a uma organização da sociedade civil que utiliza essa imagem quase como lema identificativo, tenho dúvidas se colocar as aspas não poderia produzir o efeito de diminuir, ou mesmo apoucar, os objectivos prosseguidos por essa ONG, o que seria desagradável.”
Trata-se de outro preciosismo, louvável porque só revela a minúcia com que muitos leitores lêem o PÚBLICO, mas ainda assim é um preciosismo.
O PÚBLICO não errou.
“‘Oportunidade’ para Braga” (pág. 23) – Trata-se mesmo de uma oportunidade efectiva para o Hospital de S. Marcos, esta é no sentido figurado a que as aspas induzem ou trata-se de uma citação? Lendo o texto, pode concluir-se que será uma citação. Mas, em qualquer caso, irrelevante. Ao ponto de, no título, não se associar a nenhuma fonte...
Eis a resposta do director: “No caso da ‘oportunidade’, sendo uma citação, o Livro de Estilo recomenda que se utilizem aspas. As limitações habituais de espaço na feitura de um título poderão justificar a não atribuição directa da citação, mas o próprio leitor a encontrou depois no texto. O título não será perfeito, mas julgo que se enquadra em códigos de leitura que, de uma forma geral, porque uniformes, são compreendidos pelos leitores.”
A explicação é aceitável.
O título é infeliz, mas a citação da declaração de Lino Mesquita Machado, presidente do conselho de administração do Hospital de S. Marcos (Braga), não é irrelevante.
O leitor só parcialmente tem razão.
“Pentágono já fez ‘jogos de guerra’ para invasão do Irão” (pág. 16) – Neste caso, ainda que as aspas não sejam despicientes de todo, não chocaria se não fossem usadas – afinal, segundo a notícia, os militares norte-americanos e britânicos realizaram mesmo umas guerras a fazer de conta, ainda que com o real fito, sempre presente, de nos defenderem dos maus;
O director do jornal discorda do leitor: “A expressão ‘jogos de guerra’ é genericamente usada entre aspas, no PÚBLICO como na maior parte dos jornais de referência internacionais, com excepção dos anglo-saxónicos, que têm códigos de titulação mais secos e directos.”
Ficamos, portanto, a saber que de um modo geral os países e as culturas latinas recuam perante a expansão anglo-saxónica, mas o PÚBLICO, pelo menos, não baixa os braços neste combate e assume a sua latinidade como o general (Cambronne?) de Napoleão em Waterloo: “A Guarda está a morrer, mas não se rende”…
“Quase 50 mortos no Afeganistão numa ofensiva contra os taliban” (pág. 18) – Para quê anunciar-se “quase 50 mortos” se no texto se esclarece que foram 47? E por que “taliban” se grafa – no título e no texto – sem aspas ou sem itálico e para “mullah” [Omar] já houve necessidade de se usar o itálico?
José Manuel Fernandes contesta a argumentação do leitor: “Só uma pequena precisão: o Livro de Estilo grafa taliban sem aspas e sem itálico e mullah em itálico. Contudo, antes da mudança de sistema informático era muito difícil colocar os itálicos, que exigiam uma revisão peça a peça complexa. O novo sistema já permite optar por itálicos para termos estrangeiros, e essa é a regra, mas a colocação entre aspas correspondia à fórmula antiga e às vezes alguns jornalistas ainda a utilizam por hábito (o Livro de Estilo mudou a regra há um ano e os hábitos, por vezes, levam mais tempo a mudar...). Mas o essencial está correcto, de acordo com o glossário adoptado, que admito ser discutível mas que procurou sobretudo uniformizar grafias em termos que a imprensa portuguesa grafa de forma muito distinta.
Se a palavra não estiver vertida já no Livro de Estilo, a regra é grafá-la em itálico, pois considera-se que não é uma palavra portuguesa ou já aportuguesada.
A explicação do director é aceitável no que diz respeito à grafia.
Em relação aos “quase 50 mortos”, o leitor tem razão. O próprio texto indica que morreram 47 homens no decorrer da ofensiva. O rigor é importante mesmo se os três (felizmente não) mortos não são pessoas próximas do autor da notícia…
“Protesto violento de polícias em Gaza contra governo do Hamas” (pág. 17) – O protesto foi contra o “governo do Hamas” ou contra o governo da Palestina? Ou será que o Hamas é governado por um governo e o protesto, “violento”, visava essa instância que governa o Hamas? E o tal protesto foi, realmente, violento? Pode noticiar-se como “protesto violento” o facto de perto de 50 guardas armados entrarem num edifício público e dispararem para o ar (...), numa região em que em qualquer manifestação ou funeral se vê gente a disparar para o ar? Não haverá no título (e no texto) alguma da influência ideológica que os “jogos de guerra” sempre acabam por irradiar?
O director discorda: “Terá de se escrever sempre Governo da França e não Governo Villepin? Governo italiano e não Governo Berlusconi? Governo britânico e não Governo trabalhista? O Governo é da Palestina e é formado pelo Hamas, ambas as formulações são certas. Ter sublinhado que era do Hamas era significativo, pois tratou-se de um protesto de polícias, agentes desse Governo mas aparentemente fiéis ao Governo anterior. Já a classificação como violento é relativa, mas sendo polícias não me parece despropositada.”
O leitor J. B. César fez uma das duas leituras possíveis. É verdade que o facto de se mencionar o governo de um partido (caso do MPLA, por exemplo, em Angola) significa, por vezes, que o partido em causa detém o poder sem a sanção eleitoral, mas, por outro lado, é usual os jornalistas recorrerem à expressão “o Governo PS” ou “o Governo Berlusconi” mesmo quando uns e o outro foram legitimados pelas urnas.
Quanto ao “protesto violento”, o leitor tem razão. O próprio provedor já assistiu a um casamento no Sul da Índia com rajadas de AK-47 (Kalashnikov). Ao que apurei na altura, os disparos para o ar eram uma manifestação de influência portuguesa…
“Operação Páscoa já fez dois mortos e 15 feridos” (pág. 25) – Grande marota essa Operação Páscoa! Fazer dois mortos e provocar 15 feridos é terrível! Vamos já ao texto ver quem é o maligno autor da mortífera “operação”! Mas... Poderá lá ser!? O texto da notícia informa-nos que a “Operação Páscoa 2006 [está a ser] levada a cabo pela Brigada de Trânsito da GNR de todo o país”! E, então, será que foi essa operação, a realizada pela GNR, que, conforme diz o título, fez os dois mortos e os 15 feridos? Não. Claro que não foi. Mas, então, por que é que é exactamente isso que nos diz o título da notícia?
José Manuel Fernandes responde: “Toda a razão quanto ao título, manifestamente infeliz.”
Nada a acrescentar.
“Região Norte cria cluster na área médica e farmacêutica” (pág. 42) – Da leitura deste título apenas fico a saber que, contra o que eu imaginava, existe uma “Região Norte” que cria coisas, e que tanto a médica como a farmacêutica possuem uma área, que se deduz comum. Apenas não consigo imaginar o que será o tal “cluster” criado pela “Região Norte”. Por ser grafado sem aspas e sem itálico, é porque se tratará de um termo genuinamente português. E tão genuíno e enraizado na linguagem nativa que seria até ofensivo para a sua popularidade qualquer tentativa de explicação do seu significado pela generalidade dos dicionários de Língua Portuguesa existentes no mercado, que, por isso, se dispensaram fazê-lo. Mas como poderá haver neste nosso tão ilustrado país outros ignorantes que, como eu, apenas possuem os comuns dicionários de Língua Portuguesa para se defenderem das dúvidas que a língua (é a portuguesa, ainda, não é?) por vezes lhes apresentam, agradecia que explicasse o que é, afinal, o “cluster” anunciado no título e para o qual o texto não dá significado. E, aproveitando, que explicasse também o que significa o “know-how” que, embora em itálico, também trunca o entendimento do dito texto aos iletrados leitores que apenas falam português e, por isso, se limitam a ler a imprensa portuguesa. E, se não for maçada, também gostaria que a jornalista, ou por ela o seu editor, informasse o que é a “Região Norte” a que se reporta no título e sobre a qual a peça também não dá detalhes. É que desconheço quando foi criada, se a sua acção administrativa se estende até Vimioso ou se confina ao Porto, se foi eleita ou nomeada, etc. E, já agora, que esclarecesse se quando escreveu “na área” não quereria dizer “nas áreas”. Embora desejasse não ser “pesado”, não posso deixar de perguntar, ainda, por que é que o “porta-aviões” do título da caixa do texto não se grafou entre aspas e, finalmente, por que é que, nesse mesmo título “Bial” foi grafado com todas as letras em maiúscula, ao contrário do que acontece no corpo da notícia e tal como em uso pela própria empresa.
O director explica:
“a) existe realmente uma Região Norte, mas apenas uma região de planeamento sob a alçada da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN). Não é uma região administrativa (o povo chumbou a regionalização em referendo), mas tem uma existência idêntica, ou mesmo mais forte, no que diz respeito à organização do Estado que um distrito e,
seguramente, que uma província. Tratando-se de um projecto da CCDRN parece-me correcto referir-se a área de intervenção como Região Norte.
b) O termo cluster não consta do Livro de Estilo, por isso não temos uma regra adoptada. Trata-se de um termo económico muito vulgarizado, um claro anglicismo, mas que pode vir a ter o mesmo destino de outros termos, como marketing, por exemplo, que ninguém grafa em itálico ou entre aspas.
Aceito contudo que a sua utilização, sobretudo num título, mesmo que na secção de economia, seja discutível.
c) O tema dos anglicismos ou dos termos de origem anglo-saxónica adoptados pelo português daria um tratado. O leitor adopta a atitude conservadora, por vezes exagera-se numa espécie de “novo-riquismo” onde só parece ficar bem utilizar termos ingleses a torto e a direito. A virtude estará a meio termo. No caso do texto em causa, lendo-o todo, julgo que não se exagera: bem sei que know-how é o mesmo que “saber fazer” em termos literais, mas que também não é exactamente o mesmo no sentido económico do termo.
d) O leitor ironiza por existir uma “área” médica e farmacêutica. Teria razão se nos títulos não se tivesse de ser conciso e se pudesse, em alternativa, escrever, por exemplo, “Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte cria iniciativa para estimular áreas de excelência nas indústrias farmacêuticas ou ligadas à medicina”. Ou seja, se o título pudesse ter 161 caracteres em lugar de 50. Faz alguma diferença em espaço necessário, mas julgo que não no sentido da notícia, que não é deturpado pelo título.”
O director tem e não tem razão. “Cluster” não diz nada a 99 por cento da população e um título deve ser claro, explícito e informativo.
Ao utilizar a palavra “cluster”, o PÚBLICO parece dirigir-se a leitores anglo-saxónicos e não portugueses, de cuja latinidade ninguém duvida…
A seguinte observação do leitor é muito relevante: "Pode noticiar-se como 'protesto violento' o facto de perto de 50 guardas armados entrarem num edifício público e dispararem para o ar, numa região em que em qualquer manifestação ou funeral se vê gente a disparar para o ar? Não haverá no título (e no texto) alguma da influência ideológica que os “jogos de guerra” sempre acabam por irradiar?" Cabe ao jornalista dissecar os seus preconceitos e estereótipos, sob pena de estar a transmitir uma visão etnocêntrica do Mundo muçulmano. Cabe também ao José Manuel Fernandes reflectir um pouco mais sobre este comentário.
Posted by Anónimo | 1:12 da manhã
Parabens pelo blog e pelo trabalho na provedoria do leitor. Aprendi a gostar de ler com a Folha de São Paulo, o primeiro jornal da América Latina com um provedor, ou ombudsman. Acrescentei um link para os dois jornais no meu mais recente blog jornalístico. Vou continuar a acompanhar de perto, como jornalista que trabalha em Portugal e como brasileiro. Parabéns e continuação de bom trabalho.
Posted by Anónimo | 6:23 da tarde