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domingo, fevereiro 26, 2006 

MAIS PROMISCUIDADE

"Na passada segunda-feira (13 de Fevereiro de 2006), a primeira página do PÚBLICO trazia, mesmo por cima do título do jornal, um post-it de cor verde com a indicação ‘Se não tem pais ricos nem ganhou a lotaria. Pág. 7’.
E, abrindo a página 7, via-se um anúncio do Banco Espírito Santo (BES), com um produto (Crédito Habitação), dentro da nova imagem de marca.
Curiosamente, nenhum dos blogues atentos às questões da publicidade nos media se manifestou nos seus espaços públicos. Certamente, até lhes escapou: se alguns deles acompanham a edição
on-line com maior assiduidade, outros nem viram, dada a pequena dimensão, embora em lugar de visibilidade. Quanto aos leitores, presumo que nenhum tenha levantado qualquer dúvida, pois certamente o provedor do leitor responderia de imediato e a leitura da sua página na edição de hoje não traz qualquer reacção a esse tema.
Mas eu recebi um
email de um leitor que me dizia o seguinte: ‘Gostava realmente de saber a sua opinião sobre o autocolante colocado, precisamente, em cima do nome do jornal. Também não me foi possível saber se o referido autocolante foi colocado noutros jornais ou se ‘afectava’ apenas o PÚBLICO (ou se foi alguma brincadeira e apenas a minha cópia do PÚBLICO foi alvo de publicidade).’
Na realidade, foi prática do PÚBLICO do dia 13 a inserção desse post-it, coisa que não se verificou, por exemplo, no Diário de Notícias. Trata-se de uma campanha de publicidade por parte do BES. Ora, olhando o que diz o Livro de Estilo do PÚBLICO, ‘a publicidade é uma área autónoma e perfeitamente demarcada nas páginas do PÚBLICO, segundo critérios de prioridade e ocupação de espaço definidos pelas direcções editorial e comercial’ (p. 172). Apesar da ressalva de inclusão de publicidade em rodapé, conforme o ponto 3 (p. 173 do Livro de Estilo), o jornal deve, em meu entender, pedir desculpas aos seus leitores. Primeiro, porque o post-it verde não tem qualquer indicação de publicidade. Segundo, um autocolante por cima do nome do jornal não é um espaço de publicidade, mas uma área de identificação do próprio jornal, conforme se pode ver na imagem que tirei à parte superior da edição do PÚBLICO de segunda-feira
”, escreve Rogério Santos no seu blogue Indústrias Culturais II.
A crítica do leitor é pertinente.
O provedor pediu, necessariamente, um esclarecimento a José Manuel Fernandes, director do jornal.
“Nos dias que correm, em que os espaços tradicionais de publicidade já não são tão atractivos como noutros tempos, sobretudo devido à diversidade dos suportes, é frequente as agências de publicidade proporem soluções inovadoras, únicas ou dificilmente repetíveis, que têm para o anunciante a vantagem da surpresa e para o meio a vantagem de proporcionarem uma receita extra importante.
No caso em concreto, a proposta foi aceite porque o post-it tinha um formato tão distinto que não se confundiria com informação editorial (daí não se ter solicitado que o próprio post-it contivesse a designação de publicidade, pois resultaria redundante) e as suas dimensões permitiam que não ‘estragasse’ a primeira página.
Foram apenas dadas indicação para que, na sua colocação, houvesse o cuidado de não o colocar sobre o espaço editorial mais nobre (manchete, por exemplo), cuja formulação era impossível de antecipar.
Essas informações tiveram de ser dadas de forma geral, já que o dia escolhido pelo anunciante era uma segunda-feira, devendo as instruções gerais ser dadas na sexta-feira e não em cima da hora, já que a agência estaria encerrada.
Verificou-se que em muitos exemplares o post-it foi colado sobre o logótipo, o que não resultou bem. Não aconteceu em todos os jornais, variando os locais, até porque o post-it foi colocado manualmente durante a madrugada por brigadas contratadas especialmente para o efeito.
O feedback que recebemos dos leitores foi o de que o objectivo do anunciante foi atingido, pois o anúncio não passava despercebido, e ninguém nos referiu ter confundido a mensagem, isto é, não houve mistura de mensagens editoriais e publicitárias.
A única reacção negativa que tivemos, e com a qual concordamos, já que foi para nós mesmos uma surpresa, foi o facto de ter sido usada uma cola muito forte, sendo difícil destacar o post-it sem rasgar o jornal. Esse protesto foi transmitido ao departamento comercial, que reconheceu a sua pertinência”, respondeu o director.
O provedor considera que as explicações de José Manuel Fernandes são parcialmente aceitáveis.

PUBLICIDADE E INFORMAÇÃO

O Livro de Estilo do PÚBLICO estipula que “o material publicitário vem sempre graficamente assinalado, de forma clara e explícita, que evite confusões ou associações ambíguas à mancha informativa”, mas a publicidade do Banco Espírito Santo (BES) não está assinalada com a menção PUB (ou PUBLICIDADE).
O facto de as três primeiras letras do título do jornal – “PÚB” – não terem sido ocultadas pelo autocolante do BES só pode ser consequência do acaso. O provedor exclui, obviamente, qualquer intenção maliciosa (ou perversa).
O problema com a publicidade do BES é, sobretudo, o desrespeito de algo sagrado: o próprio título do jornal.
O PÚBLICO prescindiu, erradamente, da sua imagem.
E o título não se resume apenas a uma mera marca comercial, porquanto identifica o jornal perante os seus leitores e a opinião pública em geral.
O PÚBLICO é, por outro lado, sinónimo de uma relação de confiança e de afectividade. E de elevados padrões de exigência: independência, rigor profissional, sensibilidade e paixão para captar e noticiar os acontecimentos de uma forma completa e fundamentada. Tem sido essa a cultura do jornal e da empresa. E é crucial preservá-la sem desvios.
A informação não pode ser sacrificada a outros critérios, por mais imperativos que eles possam parecer, escreveu Vicente Jorge Silva, o primeiro director do PÚBLICO, em Dezembro de 1989.
Aquilo que está em causa, em última análise, é a credibilidade de um projecto. ■

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

Tal como o caso da campanha da TMN, há uns meses atrás...
As leis de mercado ditam as decisoes dos responsáveis pelas publicaçoes. Criticável? Por certo. E a subsistência do meio?; e os (infelizmente reduzidos) ordenados para pagar aos jornalistas no final do mês?; e a publicidade que teima em fugir para outros espaços, como por exemplo a Internet?
É um tema complicado, uma faca de dois gumes. E alguém tem de fazer o papel de advogado do diabo. JMF, no caso.

"A informação não pode ser sacrificada a outros critérios, por mais imperativos que eles possam parecer".
Certíssimo. O pior é que há muitas pessoas, como o senhor que escreveu o primeiro comentário, que não compreendem isto. Eu sou jornalista e estou farto de ver jornais onde o departamento comercial tenta autenticamente "invadir" o domínio editorial, insistindo para que certas "não notícias" sejam publicadas ou para que se fale com esta ou aquela empresa que é preciso namorar. Não percebem (ou percebem, mas estão-se nas tintas para isso) que estão a arruinar a credibilidade jornalística dos projectos. Informação contaminada por publicidade é desinformação. E nem estou a falar deste caso da capa do Público, pois há casos bem mais graves.

Estamos apenas a falar de um post-it? Um simples post-it que poderia ser colocado em qualquer parte do jornal e fácilmente deitado em qualquer lixo azul para reciclar?
Preocupa-me bem mais as intromições na linha redatorial dos jornais que publicidade claramente identificada (mesmo sem o pub quem lê o PÚBLICO percebe logo...) que serve para manter o jornal a funcionar e pagar aos jornalistas...

Quando me referia a intromissões na linha redactorial dos jornais não me estava a referir ao caso especifico do jornal PÚBLICO, até porque não tenho acesso à redacção do jornal. Referia-me a alguns casos de jornais regionais dos quais tenho conhecimento de notícias que são publicadas ou não são publicadas devido ao volume de publicidade inserida.
Assim peço desculpa pois pensei ser claro que não me estava a referir ao jornal PÚBLICO mas sim a uma situação geral em vários jornais. Nomeadamente nos jornais mais pequenos.

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