FUTEBOL (SEM FADO)
O futebol é o único desporto que suscita comentários por parte dos leitores. E é natural que assim seja. A extraordinária popularidade alcançada por esta modalidade prende-se com a competição, a planificação, o trabalho de equipa, a divisão de tarefas (à imagem do mundo industrial de que é historicamente o produto) e a propagação de valores como o mérito e a solidariedade (independentemente do factor sorte, das decisões arbitrárias e do negócio, sempre omnipresentes), sem contar com a componente emotiva, que é primordial...
O espectáculo da bola revela-nos, por outro lado, as principais características dos grupos, já que é um campo privilegiado para a afirmação das identidades colectivas e dos antagonismos locais, regionais e nacionais – pelo menos é o que defendem os etnólogos do Centre National de la Recherche Scientifique de França.
Passemos aos comentários dos leitores e às respostas da Redacção.
Sendo eu um conhecedor profundo do PÚBLICO em inúmeros detalhes, conhecendo também o Livro de Estilo e a cultura da casa, não pude deixar de ficar atónito com as notícias escritas a propósito do Sporting-Porto.
No texto principal, dizia-se que a equipa do Norte só teve uma oportunidade de golo, que concretizou, mas na página ao lado escrevia-se que houve mais oportunidades.
Como desde sempre gostei de ler as notícias sobre futebol do PÚBLICO, as quais alteraram a forma de escrita dos jogos até então – até 1990 era cronológica – fiquei deveras espantado, e como não vi o jogo fi quei baralhado.
É um detalhe eu sei, mas o jornalismo é feito de detalhes e, já agora, que me recorde em peças assinadas por duas pessoas, cada uma costuma ler o que a outra escreveu.
Imagine, caro provedor, algo semelhante a propósito, por exemplo, das eleições em Itália, sem golos, mas com votos..., escreve o leitor João Seabra.
Todas as notícias são importantes e exigem rigor, mas o leitor só parcialmente tem razão.
É legítimo perguntar se o resultado de um jogo de futebol pode ser comparado ao desfecho de umas eleições e ao destino de um país. Ainda que no tempo do dr. Salazar a política estivesse reduzida ao fado e ao futebol...
Eis a resposta de Paulo Curado.
“As limitações de horário de fecho do jornal não permitem, de facto, que cada um dos cronistas leia, antes de enviar o trabalho, o(s) texto(s) do seu parceiro, ainda que comuniquem entre si no decorrer da partida.
O erro em questão na crónica principal (onde erradamente se diz que o FC Porto só beneficiou de uma oportunidade de golo em todo o encontro e não de duas como seria correcto e é, aliás, mencionado num outro texto da página) foi, no entanto, detectado posteriormente, mas não a tempo de ser emendado antes de a página ser enviada para a gráfica. Pelo lapso pedimos as nossas desculpas”, respondeu o jornalista.
A explicação é aceitável.
Os textos sobre partidas de futebol iniciam-se invariavelmente sobre as expectativas dos treinadores e adeptos, fazem um comentário sobre as disposições tácticas e avançam para a crónica.
Nesta fala-se ao pormenor do “encaixe” dos sistemas tácticos, da mentalidade atacante, etc.
A primeira parte das partidas é assim dissecada ao pormenor. Já no caso da segunda parte temos sempre um texto curtíssimo, independentemente da
importância que tenha tido no jogo. O resultado pode ter sido de 3-3 com todos os golos marcados na segunda parte que, após todo o texto sobre a primeira parte, a segunda será garantidamente varrida com dois adjectivos e um comentário sobre os golos e substituições.
Sem ser científico será provável que a extensão da primeira parte seja feita em 80 por cento do texto, com a segunda a merecer não mais que os restantes 20 por cento.(…)
De um ponto muito específico, chamo a atenção para o incrível pedaço de mau jornalismo com o título “Figo não defronta o Villarreal, Lyon não conta com Juninho”, de Luís Octávio Costa(29 de Março de 2006).
Nesta peça, temos uma sucessão incrível de asneiras.
Começa com o primeiro parágrafo: “Luís Figo não recuperou da lesão (...) e falhará os quartos-de-final da Liga dos Campeões...”
Primeiro assume-se que a lesão não seria grave e que por pouco não permitiu a recuperação do jogador: “Luís Figo não recuperou da lesão”, pelo que se imagina que poderá recuperar em breve.
Depois, no entanto, diz-se que o jogador “falhará” os quartos-de-final. Ora, tendo os quartos-de-final dois jogos, é possível que o jogador recupere a tempo do segundo, pelo que não falharia os quartos-de-final, mas apenas a primeira mão.
No segundo parágrafo: “duelos entre dois clássicos italianos”. A expressão “clássico” é usada, em geral, para designar um jogo entre duas equipas históricas. Um jogo entre o Inter e o Milan (os tais ‘“clássicos”) seria um clássico. Uma referência aos clubes deveria ser feita com recurso a “históricos”.
Ainda no segundo parágrafo: “o Villarreal (oitavos na Liga espanhola e novato nestas andanças)”.
O clube Villarreal passa de singular – “o” – a plural – “oitavos” – e de novo a singular – “novato”. Há que ter rigor.
No terceiro parágrafo são transcritas declarações de Diego Forlán (a cujo nome falta o acento), sendo que este é “naturalizado” italiano a fechar o dito parágrafo.
Quarto parágrafo: “O Inter não ganha nada desde 1989”, recordou Manuel Pellegrini, confiante no jogo em San Siro, apesar das ausências de Tacchinardi, Moreno e Arruabarrena.
“Há equipas com mais títulos, mas o Villarreal está a construir agora a sua história”, avisou Cambiasso.
Não é feita uma referência a quem são Pellegrini (técnico do Villarreal) ou Cambiasso (jogador do Inter).
Na ausência de informação fica a dúvida sobre a intenção de escrever estas declarações.
Quinto parágrafo, o melhor naco desta prosa: “estarão frente a frente a frescura do Lyon e a experiência do Milan, que nunca passou dos ‘quartos’ da Champions, prova que o AC Milan já venceu seis vezes.”
Temos então que o Milan é experiente mas nunca passou dos quartos da ‘Champions’ (porque não usar o termo português, já agora?), mas afinal até já ganhou a prova seis vezes (o que até é falso, uma vez que algumas das vitórias foram no formato anterior, de Taça dos Campeões Europeus, mais uma vez falta de rigor).
O texto está simplesmente mal escrito.
Qualquer professor de português do segundo ciclo reprovaria imediatamente uma escrita destas numa composição.
Ainda no sexto parágrafo: “Juninho (castigado), o ‘melhor do mundo’ na cobrança de livres.”
As aspas indicam que se estaria a citar alguém. Quem, então? Outra hipótese seria ter o jornalista exprimir uma opinião pessoal (o que não deve fazer) ou um ponto de vista generalizado (para o que não deveria usar uma notação idêntica à das citações). (...)
Há que ter atenção a estes pormenores, sob risco de se perder os leitores, escreve João Sousa André.
Pedi uma resposta ao editor do Desporto, em Lisboa.
“No que se refere à escrita nos textos sobre partidas de futebol, e quanto ao seu início (diz o leitor que “invariavelmente”), tenho que discordar.
A parte informativa compreende as palavras-chave – isso sim, invariavelmente.
Depois entra o estilo do jornalista na sua apreciação do encontro – a crónica do espectáculo, que o é, seja ele bom ou mau. Finalmente, e aqui estamos de acordo, a percentagem da primeira parte poderá não corresponder à da segunda. A explicação é simples: nos anos mais recentes o futebol tem sido dominado – literalmente – pela televisão. É esta que “manda”, nos dias e nas horas do seu início. O futebol nocturno entrou no nosso quotidiano, de segunda-feira a domingo, entre as 19h45 e as 21h30. Ora, compreenderão os leitores que o tempo útil para o trabalho do jornalista entre o final dos encontros, que frequentemente passa das 23h15, e o fecho da edição é muito limitado, pelo que a elaboração da crónica é realizada em tempo real, enquanto decorre o jogo, sendo iniciada durante o intervalo dos encontros. Daí que, frequentemente, haja desequilíbrios nas percentagens dedicadas à primeira e segunda partes. Os condicionalismos técnicos assim o obrigam.
Quanto aos golos, novo desacordo: não é preciso fazer contas de cabeça, pois o resultado é sempre expresso, quer no título, na entrada, ou no lead do próprio texto”, contestou Carlos Filipe.
O editor Bruno Prata, do Porto, complementou a resposta.
“(...) As novas tecnologias vieram facilitar bastante o nosso trabalho nesta área, mas, em contrapartida, são cada vez mais apertados os horários de fecho do jornal. De facto, muitas vezes acontece termos de ter o texto pronto mal o jogo acaba, o que – garanto – não é uma tarefa fácil. (...)
Este problema nos jogos de futebol, de resto, não é um exclusivo do PÚBLICO e afecta a generalidade da imprensa. (...) Em relação ao texto que o leitor dá como exemplo, há de facto algumas gralhas e erros lamentáveis.
Após ter sido dado como concluído pelo jornalista, o texto foi enviado directamente para a revisão, mas nem isso bastou para resolver o problema. Cabe-nos, por isso, pedir desculpa aos leitores e deixar a promessa de que tudo faremos para que estas situações não se repitam”, escreveu Bruno Prata.
As explicações destes dois responsáveis são aceitáveis.
O PÚBLICO reconhece os erros. E deve evitar repeti-los.
O espectáculo da bola revela-nos, por outro lado, as principais características dos grupos, já que é um campo privilegiado para a afirmação das identidades colectivas e dos antagonismos locais, regionais e nacionais – pelo menos é o que defendem os etnólogos do Centre National de la Recherche Scientifique de França.
Passemos aos comentários dos leitores e às respostas da Redacção.
Sendo eu um conhecedor profundo do PÚBLICO em inúmeros detalhes, conhecendo também o Livro de Estilo e a cultura da casa, não pude deixar de ficar atónito com as notícias escritas a propósito do Sporting-Porto.
No texto principal, dizia-se que a equipa do Norte só teve uma oportunidade de golo, que concretizou, mas na página ao lado escrevia-se que houve mais oportunidades.
Como desde sempre gostei de ler as notícias sobre futebol do PÚBLICO, as quais alteraram a forma de escrita dos jogos até então – até 1990 era cronológica – fiquei deveras espantado, e como não vi o jogo fi quei baralhado.
É um detalhe eu sei, mas o jornalismo é feito de detalhes e, já agora, que me recorde em peças assinadas por duas pessoas, cada uma costuma ler o que a outra escreveu.
Imagine, caro provedor, algo semelhante a propósito, por exemplo, das eleições em Itália, sem golos, mas com votos..., escreve o leitor João Seabra.
Todas as notícias são importantes e exigem rigor, mas o leitor só parcialmente tem razão.
É legítimo perguntar se o resultado de um jogo de futebol pode ser comparado ao desfecho de umas eleições e ao destino de um país. Ainda que no tempo do dr. Salazar a política estivesse reduzida ao fado e ao futebol...
Eis a resposta de Paulo Curado.
“As limitações de horário de fecho do jornal não permitem, de facto, que cada um dos cronistas leia, antes de enviar o trabalho, o(s) texto(s) do seu parceiro, ainda que comuniquem entre si no decorrer da partida.
O erro em questão na crónica principal (onde erradamente se diz que o FC Porto só beneficiou de uma oportunidade de golo em todo o encontro e não de duas como seria correcto e é, aliás, mencionado num outro texto da página) foi, no entanto, detectado posteriormente, mas não a tempo de ser emendado antes de a página ser enviada para a gráfica. Pelo lapso pedimos as nossas desculpas”, respondeu o jornalista.
A explicação é aceitável.
Os textos sobre partidas de futebol iniciam-se invariavelmente sobre as expectativas dos treinadores e adeptos, fazem um comentário sobre as disposições tácticas e avançam para a crónica.
Nesta fala-se ao pormenor do “encaixe” dos sistemas tácticos, da mentalidade atacante, etc.
A primeira parte das partidas é assim dissecada ao pormenor. Já no caso da segunda parte temos sempre um texto curtíssimo, independentemente da
importância que tenha tido no jogo. O resultado pode ter sido de 3-3 com todos os golos marcados na segunda parte que, após todo o texto sobre a primeira parte, a segunda será garantidamente varrida com dois adjectivos e um comentário sobre os golos e substituições.
Sem ser científico será provável que a extensão da primeira parte seja feita em 80 por cento do texto, com a segunda a merecer não mais que os restantes 20 por cento.(…)
De um ponto muito específico, chamo a atenção para o incrível pedaço de mau jornalismo com o título “Figo não defronta o Villarreal, Lyon não conta com Juninho”, de Luís Octávio Costa(29 de Março de 2006).
Nesta peça, temos uma sucessão incrível de asneiras.
Começa com o primeiro parágrafo: “Luís Figo não recuperou da lesão (...) e falhará os quartos-de-final da Liga dos Campeões...”
Primeiro assume-se que a lesão não seria grave e que por pouco não permitiu a recuperação do jogador: “Luís Figo não recuperou da lesão”, pelo que se imagina que poderá recuperar em breve.
Depois, no entanto, diz-se que o jogador “falhará” os quartos-de-final. Ora, tendo os quartos-de-final dois jogos, é possível que o jogador recupere a tempo do segundo, pelo que não falharia os quartos-de-final, mas apenas a primeira mão.
No segundo parágrafo: “duelos entre dois clássicos italianos”. A expressão “clássico” é usada, em geral, para designar um jogo entre duas equipas históricas. Um jogo entre o Inter e o Milan (os tais ‘“clássicos”) seria um clássico. Uma referência aos clubes deveria ser feita com recurso a “históricos”.
Ainda no segundo parágrafo: “o Villarreal (oitavos na Liga espanhola e novato nestas andanças)”.
O clube Villarreal passa de singular – “o” – a plural – “oitavos” – e de novo a singular – “novato”. Há que ter rigor.
No terceiro parágrafo são transcritas declarações de Diego Forlán (a cujo nome falta o acento), sendo que este é “naturalizado” italiano a fechar o dito parágrafo.
Quarto parágrafo: “O Inter não ganha nada desde 1989”, recordou Manuel Pellegrini, confiante no jogo em San Siro, apesar das ausências de Tacchinardi, Moreno e Arruabarrena.
“Há equipas com mais títulos, mas o Villarreal está a construir agora a sua história”, avisou Cambiasso.
Não é feita uma referência a quem são Pellegrini (técnico do Villarreal) ou Cambiasso (jogador do Inter).
Na ausência de informação fica a dúvida sobre a intenção de escrever estas declarações.
Quinto parágrafo, o melhor naco desta prosa: “estarão frente a frente a frescura do Lyon e a experiência do Milan, que nunca passou dos ‘quartos’ da Champions, prova que o AC Milan já venceu seis vezes.”
Temos então que o Milan é experiente mas nunca passou dos quartos da ‘Champions’ (porque não usar o termo português, já agora?), mas afinal até já ganhou a prova seis vezes (o que até é falso, uma vez que algumas das vitórias foram no formato anterior, de Taça dos Campeões Europeus, mais uma vez falta de rigor).
O texto está simplesmente mal escrito.
Qualquer professor de português do segundo ciclo reprovaria imediatamente uma escrita destas numa composição.
Ainda no sexto parágrafo: “Juninho (castigado), o ‘melhor do mundo’ na cobrança de livres.”
As aspas indicam que se estaria a citar alguém. Quem, então? Outra hipótese seria ter o jornalista exprimir uma opinião pessoal (o que não deve fazer) ou um ponto de vista generalizado (para o que não deveria usar uma notação idêntica à das citações). (...)
Há que ter atenção a estes pormenores, sob risco de se perder os leitores, escreve João Sousa André.
Pedi uma resposta ao editor do Desporto, em Lisboa.
“No que se refere à escrita nos textos sobre partidas de futebol, e quanto ao seu início (diz o leitor que “invariavelmente”), tenho que discordar.
A parte informativa compreende as palavras-chave – isso sim, invariavelmente.
Depois entra o estilo do jornalista na sua apreciação do encontro – a crónica do espectáculo, que o é, seja ele bom ou mau. Finalmente, e aqui estamos de acordo, a percentagem da primeira parte poderá não corresponder à da segunda. A explicação é simples: nos anos mais recentes o futebol tem sido dominado – literalmente – pela televisão. É esta que “manda”, nos dias e nas horas do seu início. O futebol nocturno entrou no nosso quotidiano, de segunda-feira a domingo, entre as 19h45 e as 21h30. Ora, compreenderão os leitores que o tempo útil para o trabalho do jornalista entre o final dos encontros, que frequentemente passa das 23h15, e o fecho da edição é muito limitado, pelo que a elaboração da crónica é realizada em tempo real, enquanto decorre o jogo, sendo iniciada durante o intervalo dos encontros. Daí que, frequentemente, haja desequilíbrios nas percentagens dedicadas à primeira e segunda partes. Os condicionalismos técnicos assim o obrigam.
Quanto aos golos, novo desacordo: não é preciso fazer contas de cabeça, pois o resultado é sempre expresso, quer no título, na entrada, ou no lead do próprio texto”, contestou Carlos Filipe.
O editor Bruno Prata, do Porto, complementou a resposta.
“(...) As novas tecnologias vieram facilitar bastante o nosso trabalho nesta área, mas, em contrapartida, são cada vez mais apertados os horários de fecho do jornal. De facto, muitas vezes acontece termos de ter o texto pronto mal o jogo acaba, o que – garanto – não é uma tarefa fácil. (...)
Este problema nos jogos de futebol, de resto, não é um exclusivo do PÚBLICO e afecta a generalidade da imprensa. (...) Em relação ao texto que o leitor dá como exemplo, há de facto algumas gralhas e erros lamentáveis.
Após ter sido dado como concluído pelo jornalista, o texto foi enviado directamente para a revisão, mas nem isso bastou para resolver o problema. Cabe-nos, por isso, pedir desculpa aos leitores e deixar a promessa de que tudo faremos para que estas situações não se repitam”, escreveu Bruno Prata.
As explicações destes dois responsáveis são aceitáveis.
O PÚBLICO reconhece os erros. E deve evitar repeti-los.
Em relação aos golos, a crítica advém de o resultado não estar sempre presente no título ou "lead" da notícia na edição online. A crítica surge única e exclusivamente em relação à edição online.
Posted by JSA | 4:54 da tarde