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quinta-feira, janeiro 19, 2006 

INTERESSE (DO) PÚBLICO

Seria porventura mais pertinente só revelar os nomes dos “criminosos” depois de antecipar algumas das críticas que os meus caros colegas jornalistas não deixarão de me fazer, mas não resisto.
Miguel Sousa Tavares, José Manuel Barata Feyo, Dominique Audibert (do semanário Le Point) e Bill Kovach, o meu proeminente curador da Nieman Foundation For Journalists, na Universidade de Harvard (e ex-responsável de The New York Times, em Washington, considerado por alguns “a consciência do jornalismo norte-americano”) são os principais responsáveis.
Bill foi mesmo mais longe: “Aceita o lugar de provedor. É uma forma de ajudares o público e a próxima geração de jornalistas a saber o que é exactamente o jornalismo. (...) Deves explicar que a tua voz é uma voz independente, porque é a independência do jornalismo associada à preocupação de verificar a informação que fazem com que o jornalismo valha a pena — sem as duas coisas não pode existir uma real pretensão de credibilidade.”
Elucidar os leitores sobre as orientações e o funcionamento da redacção e avaliar as opções e o trabalho dos jornalistas é um desafio enorme. Foi, portanto, com alguma apreensão mas também com imenso entusiasmo que aceitei ser o provedor dos leitores.
O PÚBLICO é o jornal de referência a nível do país.
Os três primeiros provedores — Jorge Wemans, Joaquim Fidalgo e Joaquim Furtado — são jornalistas prestigiados.
Por outro lado, tenho a perfeita noção de que a margem de manobra do provedor (advogado privilegiado dos leitores e simultaneamente interlocutor dos jornalistas e da hierarquia do PÚBLICO) será sempre relativa, porquanto não dispõe de funções executivas (não precisa de imprimatur, mas não pode impor rectificações ou alterar regras e procedimentos).
O Livro de Estilo do PÚBLICO (regras éticas e técnicas) constitui, de resto, a principal base normativa à qual o provedor deve recorrer, em nome do rigor e da transparência. E da própria credibilidade do jornal, em última análise.
Sou pago pela instituição que devo escrutinar, mas excluo a possibilidade de um aproveitamento do provedor em nome de qualquer lógica comercial ou de estratégias de marketing, porque acredito que não é esse o projecto da direcção. E nunca tive vocação para figura ornamental...
Na realidade, nada me predestinava para esta função ambígua de árbitro e de intermediário. Foi, aliás, mais por causa da sorte do que das minhas qualidades pessoais que exerci a profissão de jornalista durante 30 anos.
Depois de um simples teste de voz, comecei a trabalhar na “redacção” portuguesa da Radio France Internationale, em Paris, ao lado de Virgílio de Lemos, Costa Camelo, Carlos Saboga, José Manuel Barata Feyo e Álvaro Fernandes.
Era uma equipa deveras curiosa: um poeta, um pintor, um cineasta, um jornalista e um militar foragido (o capitão Fernandes desertara depois de desviar milhares de espingardas automáticas G3 do depósito de material de guerra, em Beirolas, para o PRP). E eu, o jovem licenciado da Sorbonne, o rebelde sonhador, inexperiente na vida e completamente novato no jornalismo (efectuara apenas um estágio no serviço diplomático da AFP).
Iniciei, portanto, a carreira da melhor forma, mas Maria Pons, a chefe da secção, acabou por me despedir porque eu teimava em querer fazer reportagem. Fui imediatamente “recuperado” (promovido) pela redacção francesa da RFI e pouco tempo depois fui nomeado correspondente da agência noticiosa Anop.
Apesar de travar uma verdadeira guerra com a direcção porque gastava demasiado dinheiro com o envio das notícias, consegui a minha primeira cacha: anunciei a morte de Roland Barthes, sem ter confirmado sequer o óbito do pensador. É certo que muitas notícias, cá como lá fora, têm apenas como base uma única fonte, de preferência anónima e sempre bem informada, mas foi um erro que não repeti.
Depois, tornei-me correspondente da RTP. E em 1982 integrei a redacção da Grande Reportagem, em Lisboa. Fui o primeiro jornalista português a entrar em Timor depois da invasão. Tomei o partido dos timorenses (também por causa dos cinco jornalistas da imprensa australiana assassinados pelas forças invasoras).
Outro exemplo: durante a investigação sobre a participação portuguesa no Irangate para a cadeia de televisão CBS News, a empresa pública ANA recusou facultar-me informação sobre alguns voos comerciais.
Usurpei a identidade de outra pessoa e consegui consultar os originais. Constatei que a Southern Air Transport (SAT) transportara “material de defesa” para a Guatemala e que alguém, por lapso, anotara num documento “Destino Final: IL”. Tudo partira para IL (código de Ilopango), o aeroporto dos contras em El Salvador.
O MNE, a Defex e o “diplomata” responsável da antena da CIA em Lisboa não colaboraram, mas com o apoio de um general, um traficante de armas e um empregado do Ritz descobrimos tudo, menos a identidade real de Ronald Favourit, passageiro da SAT, cliente do hotel e operacional da National Security Agency?
Nas reportagens sobre a guerra da Bósnia e o genocídio no Ruanda (as piores situações que jamais vivi), quase deixei de ser jornalista quando pedi uma arma para me defender ou promover-me a “justiceiro”...
É um balanço curto e moderadamente crítico, mas achei que o devia fazer, na medida em que o respeito pelo provedor depende não só das competências como também da sua honestidade. A nossa primeira obrigação é a procura da verdade.
Como escreveu Jorge Wemans, o primeiro provedor do jornal, “os médicos enterram os seus erros, os advogados enforcam os seus, enquanto os jornalistas publicam os erros que cometem”. Eu confesso os meus. É o que acabei de fazer, sem qualquer sobranceria. Os repórteres erram, mas os provedores avant la lettre da época não deixaram de me interpelar. Ainda bem para mim e para o jornalismo.
Enquanto provedor, tentarei (parafraseando o primeiro director do PÚBLICO, Vicente Jorge Silva) suscitar uma linha de esclarecimento e de diálogo pedagógico permanente, fazer do jornal uma obra aberta e interactiva entre quem o escreve e quem o lê.
Procurarei ainda debater questões específicas da prática jornalística em nome do mesmo acréscimo de transparência que pedimos aos outros e da promoção de uma cultura de cidadania. E nunca me esquecerei de que, apesar da competição, da pressão económica e da fragmentação do público, a liberdade de imprensa é o derradeiro esteio da democracia.

Vou procurar chatear-te o mais possível. Conta comigo.
Um abraço Rui.

O 'Público' é um óptimo jornal. Daí a 'o' jornal de referência do País...?!? Vá lá, um os jornais de referência dentre os escassos nas escolha possível. E nada mais.

Parece-me inaceitável a falta de qualidade dos tradutores de notícias estrangeiras. Não só invertem completamente por vezes o sentido das notícias, como no caso das adolescentes e aborto no Reino Unido, como traduzem mal a nível dos detalhes. Para traduzir não chega conhecer uma lingua, é preciso cultura geral actualizada e o que vai correndo pelo mundo. Traduções são também interpretações que não se fazem às cegas.

O público presta um serviço público e por isso vou dizer algo que deviam repensar também, ao contrário que muitas almas pensantes nesta nação vivem a dizer, a cultura e em especial a escrita sem edição faz morrer a língua, é um crime o que se passa neste país, as editoras a subjugar a liberdade de expressão recusando-se a editar por motivos economicos, a questão que faço é para que serve então a arte? se os escritores não servem para nada senão para escravos das editoras e subditos das suas vontades, será que foi para isso que se fez o 25 de abril?

Um abraço
Francisco Marques

http://fmpoesias.no.sapo.pt

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