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domingo, junho 10, 2007 

“O MELHOR JORNAL DA PARÓQUIA”

“Os leitores do PÚBLICO dirigem-se frequentemente a V. Exª. criticando (com razão) a excessiva e abusiva utilização de estrangeirismos, nomeadamente anglicismos, nas páginas do jornal. Insisto no mesmo assunto, embora sem bater mais no ceguinho (jornalistas do PÚBLICO). Prefiro tomar como alvo doutos opinadores. No seu bis sobre a imprensa militante (matéria em que deve ser especialista), o Doutor Vital Moreira perora sobre ‘checks and balances’ e ‘veto powers’, talvez arrastado pelo entusiasmo que actualmente desperta entre nós a língua de Tony (e de George, não esqueçamos). Mas o distinto Professor de Direito mostrava claramente a sua inexperiência nas línguas estrangeira ocidentais quando escreveu, na sua primeira arremetida contra a Imprensa Militante, ‘contervailing powers’. Embora o primeiro vocábulo (contervailing) não exista, já fez escola. Em resposta ao Catedrático Coimbrão, a Dra. Constança Cunha e Sá faz uso do mesmo vocábulo, sem aspas nem comentários. A menos que se trate de arreliadora gralha do PÚBLICO digital (5 de Junho de 2007), apetece dizer que se não conseguem resistir à utilização de anglicismos, ao menos usem-nos correctamente.
Em jeito de despedida, cumpre dizer que, apesar de alguns disparates, continua a ser o melhor jornal da ‘paróquia’”, escreve Orlando Simas.

Os reparos são pertinentes.
É provável que “contervailing” (em vez de “countervailing”) seja apenas o resultado de uma arreliadora gralha, mas as aspas eram necessárias.
O termo “Countervailing Power” (à semelhança de "affluent society," ou de "conventional wisdom", por exemplo) é atribuído ao diplomata e economista iconoclasta John Kenneth Galbraith (falecido em 2006).
Seja como for, há estrangeirismos a mais nas páginas do PÚBLICO.
E os erros de Português sucedem-se...

“Vezes sem conta tenho anotado, bem como alunos meus, incorrecções graves na escrita do português, em notícias do jornal ‘PÚBLICO’, e porque começo a recear que o erro ortográfico se esteja a institucionalizar, fruto de uma nova pedagogia da educação, alerto para o anúncio de ‘Ípsilon, sexta-feira, 25’, na última página da edição de domingo, 20 de Maio, em que se escreve, e transcrevo, ‘Já estivémos todos em África – escritores, realizadores, documentaristas portugueses falam da sua relação com África’. Obviamente que o erro está na acentuação do primeiro verbo. Lendo um jornal com sucessivos erros ortográficos, agora que os media intervêm, ultrapassando os textos literários, na sala de aula e em manuais, os alunos criarão em si a incerteza sobre quem tem razão: o professor ou o jornalista? E desta situação eu tenho experiência, porque já fui questionada sobre uma palavra que corrigira (estás e não ‘tás’, como o aluno supunha escrever-se, porque também a vira assim escrita num anúncio publicitário). Que se lembrem as palavras de Bernardo Soares: ‘A ortografia também é gente’, porque é balsâmica e muito formativa a convivência com o texto literário”, escreve Maria do Carmo Vieira, professora na Escola Secundária Marquês de Pombal, em Lisboa.

O reparo é pertinente, obviamente. É lamentável o erro não ter sido detectado por ninguém. O anúncio é uma iniciativa do próprio PÚBLICO e teve honras de última página...
“O erro está na acentuação do verbo estar, sim. A forma verbal ‘estivemos’ é a primeira pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo, que não é acentuada. A regra geral é a seguinte: as palavras graves não levam acento gráfico. As palavras graves acentuadas são excepções: e há-as por diversos motivos, mas não é o caso.
A colocação incorrecta do acento aconteceu certamente por analogia com a primeira pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo dos verbos regulares da primeira conjugação, ou seja, dos verbos terminados em –ar no infinitivo (falámos, convidámos, apanhámos, colocámos, etc.), que leva acento, distinguindo-se, assim, da primeira pessoa do plural do presente do indicativo (falamos, convidamos, apanhamos, colocamos). Ora o verbo ‘estar’ é irregular e, nele, o acento não é necessário, pois as formas do presente e do pretérito são diferentes: ‘nós estamos’, ‘nós estivemos’”, esclareceu Maria Regina Rocha, professora de Português e consultora do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.

“A edição electrónica de hoje, 15 de Maio, publica um texto de Jorge Heitor com o título ‘Soldados mortos no fim de reunião destinada a travar combates entre forças paquistanesas e afegãs’.
Achei interessante procurar perceber porque é que era notícia um caso em que ‘o cão mordeu o homem’, uma vez que se a reunião se destinava a ‘travar combates’, nada mais natural do que haver ‘soldados mortos’.
Só percebi ao ler a notícia que o jornalista usava a expressão para dizer o oposto do seu significado habitual, isto é, combater.
É que, se a palavra ‘travar’ isolada significa, de facto, ‘fazer abrandar’ ou ‘refrear’, a expressão ‘travar combate’ significa ‘iniciar ou começar um combate’.
Com o mesmo sentido, usa-se em ‘travar amizade’ ou ‘travar conhecimento’.
Mais um exemplo da degradação do português (?) utilizado nos jornais ‘de referência’(?!)”, escreve António Dias.

O reparo do leitor de Lisboa é pertinente, mas é importante explicitar o seguinte:
1- A notícia não contém a expressão “travar combates”.
2- Os títulos são elaborados e/ou escolhidos pelos editores ou o director de fecho.
3- Jorge Heitor não é o responsável por este erro.
O PÚBLICO errou.
“O verbo travar assume diversos significados. É muito vulgar a sua utilização com o significado de ‘diminuir ou fazer cessar um movimento’, ‘prender com um travão’, mas também tem, entre outros, o significado de ‘principiar, encetar, entabular, começar’ (travar conversa, amizade, conhecimento com).
E utiliza-se especificamente nas expressões ‘travar o combate’, ‘travar a batalha’, ‘travar uma contenda’, “travar a luta”, construindo, nestas expressões, o sentido de combater, pelejar. Aliás, o próprio termo ’travar’ isolado também tem o significado de lutar, combater, de que são exemplo as seguintes abonações (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira): ‘ … os israelitas aqui com os romanos se travaram, e, de tal maneira, que de mui longe se ouvia o encontro das armas’, Samuel Usque, Tribulações de Israel, II, pág. 20; ‘Reclamando então as espadas… saíram para o horto e travaram-se valentemente’, Coelho Neto, Apólogos, pág. 209”, esclareceu a professora Maria Regina Rocha, do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.

DANIEL SAMPAIO E O “BULLYING”
O psiquiatra e escritor Daniel Sampaio contesta uma opinião do provedor.
“(...) O leitor Manuel Costa protesta com o uso do termo ‘bullying’, afirmando que ‘o recurso a estrangeirismos é justificável quando não existe uma expressão equivalente em Português’.
Ora o problema é mesmo esse: não existe termo português com significado sobreponível, pelo que a sua conclusão de que o ‘reparo é pertinente’ não está correcta.
Com pena verifico que não leu a minha crónica na ‘Pública’ sobre o assunto. Lá também lamento que não se use um termo português, mas chego à conclusão que este não existe. As traduções de ‘intimidação’ (como propõe Manuel da Costa), provocação ou de vitimização não são válidas, porque o que caracteriza o bullying é a humilhação sistemática, organizada e territorial, de uma pessoa ou grupo de pessoas (os agressores) para com uma pessoa ou grupo de pessoas (as vítimas), perante outros que nada fazem (as testemunhas, para não utilizar outro anglicanismo, os ‘bystanders’). Bullying significa sempre terror, controlo territorial e humilhação sistemáticos, feito por um mais forte em relação a um mais fraco (por ser menos musculado, de outra etnia ou de diferente orientação sexual). Eu posso ‘intimidar’ e não fazer bullying: quando digo uma piada sobre um colega, este pode ficar intimidado; mas eu posso dar conta disso, pedir desculpa e não voltar ao mesmo, aceitando que o colega, logo a seguir, me faça também alvo do seu gozo. Este comportamento só passa a ser bullying se eu não tiver o sentido do dano que provoquei no outro e, sem arrependimento, continuar a humilhá-lo.
Penso que estes exemplos mostram bem que o bullying é um conceito sobre um comportamento, e não apenas uma palavra a traduzir. À falta de melhor, temos de continuar com o estrangeirismo”, escreve Daniel Sampaio.

O provedor considera que uma notícia deve ser rigorosa, completa e clara.
Muitos leitores desconhecem o significado da palavra “bullying”.
Assim sendo, o jornalista, ao optar pelo recurso ao anglicismo, devia ter explicado o respectivo conceito (em nome da clareza), mas não o fez
Para o “The New Lexicon - Webster’s Dictionary” da língua inglesa, “bully” quer dizer “someone who enjoys oppressing others weaker than himself” (“alguém que aprecia oprimir os mais fracos”, tradução do provedor). De acordo com a mesma obra de referência, “Bullying” é um tempo verbal.
Em Portugal, o vocábulo “bullying” é pouco menos que uma nebulosa.
O reparo do leitor Manuel da Costa continua, portanto, a ser pertinente, porque a generalidade dos leitores do PÚBLICO não tem sobre a matéria a bagagem científica que se reconhece ao Professor Daniel Sampaio. E, por outro lado, nem toda a gente domina a língua de Shakespeare (e do prosaico Bush)...


O endereço electrónico do provedor é:
provedor@publico.pt

Nem de propósito: na mesma edição em que o Provedor publica uma crónica sobre o uso exagerado de estrangeirismos, eis que o "P" utiliza mais um, desta vez como chamada na primeira página.

Só que... está mal escrito!

Se abusar dos estrangeirismos já é mau, então escrevê-los de forma errada...

(Ver chamada de 10/06/07: "Gato Fedorento - Hoje à noite há despedida com streep-tease" [sic])

Sr. Provedor:

Acabo de conhecer hoje o seu trabalho. Muito meritório. Os meus parabéns. Excelente!!

É um óptimo contributo para desmascarar um jornalismo cada vez mais reles e bronco que contamina Portugal (salvo raras excepções, claro!)

Maria

Ontem estava a ler o Público e no artigo sobre os Sopranos li esta pérola na página 5 do P2 sobre os Sopranos:

"Christopher, que morreu na quinta série..."

Liguei para o Público a explicar que tinha sido no episódio 18 da 6ª série (ou 5 da segunda parte da 6ª série) e a resposta foi "mas eu verifiquei e foi na quinta série". Resumindo e concluindo: a jornalista que escreveu aquela monstruosidade ainda tem a lata de dizer que verificou. No dia seguinte nenhum "O Público errou", nada!

Ainda por cima o artigo quase n
ao falava da série. 7/6 da página 4 eram uma fotografia e mais de metade da página 5 era a falar de outras séries.

Se é verdade que eu disse em Carta do Director à um mês para não irem demasiado ao excelente artigo da Wired de Abril também é verdade que ao menos podiam lá pôr um bocadito do artigo e dar-nos a conhecer a série. Mas pronto, felizmente o jornal tinha-me sido oferecido por um amigo e não me custou nada. Uma espécie de jornal em segunda mão : )

"Kennedy and Heidi" is the 83rd episode of the HBO original series, The Sopranos. It is the sixth episode of the second half of the show's sixth season."


"Christopher was killed by Tony in the episode "Kennedy and Heidi". The two were injured in a severe car accident while driving back from a meeting with Phil Leotardo and the New York crew. The song he listens to before the accident is Pink Floyd's "Comfortably Numb", performed live by Roger Waters and Van Morrison. The song makes references to drug abuse, as Christopher has a substance abuse problem himself."

E agora? Deu para perceber?

Mas nem tudo são textos rascas, li aqui à dias um excelente, excelente, excelente texto de José Manuel Fernandes sobre aquele Congresso dos Jornais. Um regalo de informação em primeira mão, uma delícia.

Regra geral, gosto de o ler e de saber que os jornalistas não actuam sem um olhar atento, ainda que a posteriori (este também um estrangeirismo, importado directamente do latim, mas que perdeu as aspas quando os dicionários optaram por incluir o termo, embora o livro de estilo do v. jornal, que consultei online - ou em linha, como preferir -, mantenha as aspas).

Mas às vezes o provedor também erra e é bom admiti-lo, se não o índice de confiança do mesmo entre jornalistas e leitores poderá dimimuir - o que seria lamentável.

O termo "bullying" é conhecido por crianças que nem sabem ler ainda - basta para isso ver as diversas séries animadas transmitidas por canais abertos e de cabo. Antes de se afirmar se o termo é conhecido ou não - pelo menos o leitor que se queixou, aparentemente, conhecia a designação - aconselho vivamente um estudo com uma amostra significativa.

Além disso, o "bullying" é explicado no artigo em causa:
(...) Não falavam comigo, não brincavam", conta a criança. No último período do 6.º, ouviu os primeiros insultos. Nos corredores, no recreio. (...)

Mais grave, parece-me, é usar o termo "miúda" para uma das crianças acusada de estar envolvida nas agressões, no qual se lê a forma pejorativa como a jornalista o aplica (que em relação ao visado, preferiu termos como "criança", "menor" ou "filho sofrido").
Não cabe à jornalista fazer juízos de valor ou de facto. Além do mais, os agressores são também crianças - com uma atitude mais ou menos adequada, mas crianças. Talvez com igual necessidade à do agredido de receberem um programa específico que as ajude a crescer e a melhorar como indivíduos. Julgamentos de ânimo leve não irão com toda a certeza fazer com que estas crianças se tornem adultos melhores.

Os meus sinceros cumprimentos,

Lurdes Campos

Estimada Leitora,
Agradeço o comentário que teve a amabilidade de me enviar.
O termo "bullying" pode ser "conhecido por crianças que nem sabem ler ainda", mas isso não é critério para um jornalista. Há muitas pessoas que ignoram o seu significado. O PÚBLICO não se destina exclusivamente a um público infantil. Uma notícia deve ser esclarecedora e escrita em Português.
Considero, por outro lado, que a Imprensa tem uma responsabilidade acrescida relativamente à promoção do Português. A quantidade de estrangeirismos nas páginas do PÚBLICO parece-me excessiva.
Os melhores cumprimentos,
Rui Araújo
Provedor do Leitor do Público

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